Mauricio Macri venceu as eleições presidenciais argentinas em fins de 2015 prometendo mudar os rumos da Argentina que, no segundo mandato de Cristina Kirchnner, não mais ostentava os altos índices de crescimento do primeiro mandato e também do mandato anterior, do marido Néstor Kirchnner, além de enfrentar desgaste político com acusações de corrupção e conflitos com vários setores importantes internamente como o agrícola e a mídia. Macri executou uma guinada liberal na política econômica: reduziu subsídios, reajustou tarifas, permitiu a flutuação do câmbio. Os preços aumentaram significativamente a partir de 2016 com os reajustes e a depreciação cambial mas o governo argumentava ter uma estratégia gradual de redução da inflação. O déficit público não era grande e muitas províncias se encontravam superavitárias. Entretanto, e aí está o principal problema, o país aumentou expressivamente seu endividamento em dólares e déficit externo. Com a elevação dos juros nos EUA e atração de capitais do mundo para os treasuries (títulos da dívida dos EUA) essa vulnerabilidade da economia argentina deixou o país muito exposto a movimentos especulativos. A grande desvalorização do peso neste ano alimentou a inflação e corroeu o poder de compra da população levando a economia a um quadro recessivo. A elevação dos juros ao maior nível no mundo com intuito de deter a desvalorização da moeda nacional encareceu o crédito e desestimulou ainda mais o crescimento. O FMI forneceu uma linha de crédito de 50 bilhões de dólares para garantir a solvência do país. Para tanto, como é a praxe nos empréstimos do fundo, a Argentina se comprometeu a aprofundar e acelerar o ajuste fiscal.
Cenário bem diferente da década de 2000 quando Néstor Kirchnner, em 2006, pagou os 9,8 bilhões de dólares de dívida do país com o Fundo Monetário Internacional, seguindo movimento realizado pouco antes pelo Brasil. O boom das commodities propiciado pela forte expansão da economia chinesa beneficiou enormemente a economia argentina neste período, assim como a dos exportadores de matérias primas pelo mundo e permitiu a acumulação de reservas cambiais. O cenário internacional já não mais tão favorável dos anos 2010, não permitiu o mesmo desempenho.
Mas o que, além das considerações sobre a conjuntura econômica, ocorreu com o país que, entre o final do século XIX e a década de 1930 se situou entre os sete mais ricos do mundo e não conseguiu se consolidar como economia desenvolvida? Como ressalta o cientista social e professor de Economia Política Internacional, José Luis Fiori em História, Estratégia e Desenvolvimento: “Como nos Estados Unidos, na Alemanha e no Japão, a Argentina também viveu uma extraordinária transformação econômica e social entre 1870 e 1920. (…) seu território mais que triplicou; sua população multiplicou por cinco; sua rede ferroviária passou de 500 para 31.100 quilômetros; e seu PIB cresceu a uma taxa média anual de 6% (talvez a maior do mundo, no período), enquanto sua renda per capita era quatro vezes maior que a dos brasileiros e o dobro da dos norte-americanos.” (FIORI, p.101, 2014) O mesmo autor, ao buscar a resposta a essa pergunta, destaca, sobre as posições de economistas heterodoxos e ortodoxos, que “Depois de 1930, entretanto, seu crescimento se deu de forma cada vez mais instável, por meio de ciclos cada vez mais curtos e intensos. Raul Prebisch atribuiu essa inflexão às mudanças internacionais e à forma em que se operava o novo centro cíclico da economia mundial, os Estados Unidos, somado à fragilidade industrial endógena das economias primário-exportadoras. Mais tarde, os ortodoxos e neoliberais atribuíram a culpa dessa mudança de rumo argentina às políticas econômicas populistas do governo Juan Domingo Perón, apesar de Perón só ter governado entre 1945 e 1955 e entre 1973 3 1974.” (FIORI, p. 102, 2014)
Fiori propõe uma nova tese para explicar o fracasso argentino em se consolidar, no século XX, como uma grande potência. Ela não está centrada na adoção de uma política econômica ortodoxa ou heterodoxa, ou populista, como nas explicações convencionais, mas na ausência ou impossibilidade de uma estratégia expansiva de acumulação de poder. Diz o autor “(…) A conquista militar do oeste argentino permitiu a expansão/ocupação econômica contínua de novos territórios até o fim da década de 1920. Por isso, pode-se dizer que o Estado liberal argentino nasceu de uma guerra civil que durou meio século e foi financiada pelo sucesso de seu modelo primário-exportador. E foi exatamente no fim dessa expansão que estalou a crise política responsável pela desorganização periódica do Estado e pela polarização definitiva da sociedade argentina. Durante a “década infame” [os anos 1930] seus vários governos praticaram políticas econômicas keynesianas e chegaram mesmo a iniciar um ambicioso programa de industrialização, idealizado pelo próprio Raul Prebisch. O que lhes faltou, entretanto, foi uma nova estratégia expansiva e de longo prazo, e um grupo capaz de transformar a economia argentina num instrumento de sua própria acumulação de poder internacional.” (FIORI, p. 102-103, 2014). Fiori ainda pergunta se fora do espaço eurasiano e do Atlântico Norte haveria como a Argentina se inserir na competição interestatal dos principais atores políticos globais e responde que dependentistas e neoliberais consideram que não. No entanto, embora não responda à pergunta, o autor sugere que não foi a política econômica a responsável ou principal responsável pelo lugar periférico que a Argentina passou a ocupar no mundo a partir dos anos 1930, mas a ausência de um projeto de poder, de uma estratégia de longo prazo de projeção internacional do país. E aí se tem dois problemas: a coalizão interna necessária para sustentação, ao longo do tempo, deste projeto, um problema político que muitas vezes não se consegue equacionar e própria estrutura do sistema internacional e os “vetos” das potências dominantes do sistema aos países que se propõem a desafiar as suas normas e hierarquia.
Referência: FIORI, José Luis. História, Estratégia e Desenvolvimento. São Paulo: Boitempo, 2014.
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Texto publicado originalmente em 2018.
Wagner Sousa é Doutor em Economia Política Internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Editor de América Latina