RESUMO
O artigo trata de uma revisão teórica sobre os autores do imperialismo, os quais seriam os teóricos pioneiros do campo científico das Relações Internacionais. A pesquisa foi realizada por meio de uma vasta revisão bibliográfica dentro do campo dos pensadores que abordavam as relações internacionais via teorias do Estado e do imperialismo. As preocupações à época estavam vinculadas às razões da expansão das relações capitalistas pelo mundo e seus desdobramentos, ou seja, teoricamente como ler o Estado na crise e na expansão do capitalismo pelo mundo, o que impactava diretamente nas estratégias políticas traçadas. O rol é consensual na literatura especializada: Hilferding, Luxemburgo, Kautsky, Bukharin e Lênin. Intelectuais e militantes que declaradamente se inspiraram na matriz marxiana de pensamento (a qual se propunham a desenvolver) e que eram oriundos de regiões retardatárias na competição capitalista.
As leituras desse cenário articulavam o conceito de imperialismo à exportação de capitais (financeirização via internacionalização das relações de produção) e às guerras (partilha do mundo). Os resultados aqui expostos jogam luzes sobre a necessidade de uma releitura da narrativa das Relações Internacionais, enfatizando a relação umbilical entre capitalismo, imperialismo e relações internacionais.
Palavras-chave: imperialismo; capitalismo; relações internacionais.
ABSTRACT
The article deals with a theoretical review about the authors of imperialism, who would be the pioneer theorists of the scientific field of International Relations. The research was conducted through a vast literature review within the field of thinkers who approached international relations through State and imperialism theories. Concerns at the time were linked to the reasons for the expansion of capitalist relations around the world and its developments, that is, theoretically how to read the state in the crisis and the expansion of capitalism around the world, which directly impacted the outlined political strategies. The cluster is consensual in the specialized literature: Hilferding, Luxembourg, Kautsky, Bukharin and Lenin. Intellectuals and militants who reportedly drew on the Marxian way of thought (which they set out to develop) and came from lagging regions in capitalist competition.
These thoughts articulated the concept of imperialism to the exportation of capitals (financialization via the internationalization of the relations of production) and to wars (scramble for the world). The results presented here shed light on the need for a reinterpretation of the International Relations narrative, emphasizing the umbilical relationship between capitalism, imperialism and international relations.
Keywords: imperialism; capitalism; international relations.
Introdução
Em meio ao jubileu centenário dos primeiros debates, o imperialismo retoma a carga em plena potência. O protagonismo hodierno deve-se em muito aos rumos práticos e teóricos que impactaram o estudo do sistema de Estados. O conceito de imperialismo carrega consigo há séculos conteúdos e estereótipos que podem retroceder ao patamar da imprecisão teórica. Desde o resgate dos impérios da antiguidade, como o romano, passando pelos grandes poderes feudais, atravessando as monarquias absolutas modernas, até chegar à contemporaneidade, todo esse arco histórico foi e pode ser pintado aleatoriamente sob a tinta do imperialismo.
Ainda que se verifique a existência de violência, opressões e explorações como condicionantes em todos os momentos, o atrelamento ao aspecto quantitativo enclausura o cientista à aparência da investigação fenomênica, perdendo a precisão da lente analítica em um espaço difuso e distinto em suas bases. O passo científico decisivo para desvendar a real essência do imperialismo toma a direção da compreensão dos mecanismos e da estrutura que lhe conferem especificidade, que permite identificar o imperialismo, a partir de certo ponto histórico, com conteúdo e forma particulares, que contrastam irremediavelmente em relação a experiências anteriores. Nesse sentido, é fulcral traçar nortes que orientem a narrativa científica.
É a partir da emergência do modo de produção capitalista, inaugurando a contemporaneidade histórica, que determinadas relações sociais e econômicas insculpiram as bases estruturais específicas do imperialismo, delineando as relações internacionais. Em modos de produção pretéritos, o que se tenta associar como imperialismo é impreciso, acontecendo em dinâmicas completamente distintas, haja vista as engrenagens centrais em nada se assemelharem. Em outras palavras, o imperialismo alicerça-se e desdobra-se em um contexto político-econômico muito específico, aquele moldado pelas relações sociais concretas dadas no terreno do capitalismo. No cerne desse construto está a forma mercantil, da qual derivam os mecanismos de operacionalização dessa sociabilidade, como a forma política estatal (na qual se insere o Estado burguês, o Estado-nação ou o Estado nacional), o qual é o ator que caracteriza nominalmente a interação dos agentes. Em outros tempos, a mercadoria até se fazia presente, mas não ocupava o núcleo das sociabilidades pretéritas. Assim, o imperialismo finca seus sustentáculos na manifestação mais plena do capitalismo, as relações internacionais, no sistema capitalista de Estados.
Assim, antes de maiores aprofundamentos conceituais, é fundamental pontuar que o destrinchar do imperialismo passa necessariamente pelo entendimento do capitalismo, e consequentemente do Estado nacional. Logo, falar em imperialismo é tratar de capitalismo; abordar as relações internacionais é tocar em capitalismo. Essa primeira demarcação conduz ao escapamento das armadilhas que encontra pelo caminho do desbravamento do significado de imperialismo. Sua explicação como manifestação específica do capitalismo é dada pelo horizonte teórico das Relações Internacionais. O panorama atual demanda um estudo orgânico e sistemático das relações internacionais, o qual perpassa inexoravelmente o estabelecimento de balizas metodológicas que viabilizem um olhar coerente e rigoroso sobre sua trajetória. Com fulcro nessa empreitada, é pertinente adentrar nas Relações Internacionais, enquanto campo científico. Nesse exercício, cabe ao leitor atentar para as falácias postas pelas abstrações que cooptam essa seara científica para uma verve orgulhosamente e manifestamente ostentada como conservadora1. É interessante ressaltar como a narrativa científica das Relações Internacionais trata suas promíscuas relações com os aparatos governamentais, gabando-se de ser uma ciência que se limita a repetir e, eventualmente, a sofisticar os discursos e posições oficiais dos Estados nacionais. Quando, em verdade, ratificam estratégias de dominação, universalizando conceitos em abstrações que travestem interesses de classes sociais singulares. Há toda uma literatura que se evoca ser a dominante no estudo das Relações Internacionais que alicerça o início da verve acadêmica e científica da matéria nos estertores da Primeira Guerra Mundial. Na emergência de um novo cenário, de decadência britânica e ascendência estadunidense em um condomínio fraternal de poder que se impunha ao, então, ameaçado mundo capitalista, pós-1917. Como se, por exemplo, as discussões anteriores sequer tivessem existido.
A partir da expansão do capitalismo pelos quadrantes do globo, a investigação científica inaugurou novos patamares, mas manteve o caráter enviesado e a aridez teórica que caracterizam o monopólio anglo-saxão sobre sua narrativa2. Há uma flagrante limitação entre os paradigmas teóricos, calcados na inócua discussão entre idealismo/liberalismo e realismo, e seus desdobramentos3. Por exclusão o que não se encaixa nesse eixo é colocado no balaio das teorias críticas. A imprecisão e a incorreção desse agrupamento dificultam ainda mais o estudo alternativo. Para que a crítica que não fique comprometida é fundamental extrapolar o monopólio anglo-saxão, sem o qual não se consegue enxergar além da superfície. O pensamento único e tecnicista busca descolar-se das críticas ao apresentar-se como puro, aparentando rigor científico. As Relações Internacionais padecem do mesmo mal da especialização que contamina as ciências sociais como um todo. A falta de uma abordagem ampla que enfoque o objeto de estudo, mas a ele não se circunscreva, agregando outras áreas, é a regra e não a exceção. A inter ou multidisciplinaridade das Relações Internacionais não é a sua mácula, como pensam os puristas, ao contrário, é a sua imanência, que não se coaduna ao dogmatismo da departamentalização e consequente segregação das áreas do conhecimento.
Por isso, o marxismo revela-se a ciência apta a decifrar os enigmas esfíngicos das relações internacionais. O marxismo é a ciência internacionalista por essência, aquela capaz de captar a plenitude do capitalismo, modo de produção que somente se completa em âmbito internacional. Em meio ao contexto histórico e estrutural da heterogeneidade entre países que predomina no sistema internacional, nada melhor do que evocar a concretude da totalidade social dos fenômenos sociais para apreender sua essência. A inserção do marxismo nos debates internacionais, além de imprescindível, é incontornável para superar a aparência de sofisticação e penetrar até o cerne da realidade. É a tradição marxista que conferirá as balizas metodológicas e teóricas para que se possa haurir a interpretação científica às relações internacionais. São os autores marxistas que enfocam o papel do Estado e do capitalismo na dinâmica internacional. Por isso, eles têm como categoria central o imperialismo, atribuindo a esse fenômeno político-econômico a devida luminosidade.
Nessa empreitada, é perfeitamente plausível redimensionar as balizas do estudo das relações internacionais. A segunda demarcação introdutória segue o raciocínio: se o imperialismo é moldado pelo capitalismo e se manifesta, por essência, em âmbito internacional; é o marxismo nas relações internacionais que viabilizará sua leitura fulcral. É a vertente que franqueará o horizonte teórico necessário para desenvolver os nortes do conhecimento científico. Em suma, como a visão de Marx é focada na anatomia da sociedade capitalista, o marco temporal só pode ser a contemporaneidade, a consolidação e o espraiamento do modo de produção capitalista pelo mundo. É somente no capitalismo que o imperialismo adquire especificidade, tornando-se elemento estrutural, sem o qual não se consegue compreender plenamente a essência das relações internacionais. Apesar de não ter legado um livro específico, é patente a preocupação nas reflexões marxianas com a expansão do capitalismo no espaço internacional. Desde os esboços da crítica à economia política já é possível descobrir elementos que conferem o substrato teórico necessário para as análises. Em seu tempo, Marx já delineara os traços que contornariam debates que perpassaram a história do capitalismo e das relações internacionais4.
A imanente tendência à expansão do capital é detectada por Marx, sem que ele tenha feito referência direta ao termo imperialismo. À sua época fez brilhantes análises sobre o colonialismo britânico em locais distintos, denunciando a essência dessa prática, as quais repercutiram mundialmente, escrevendo sobre política internacional em artigos de conjuntura, publicados em periódicos5, nos quais expressava sua visão sobre as experiências ultramarinas britânicas. O inevitável movimento de internacionalização das relações de produção foi o fio condutor das análises e serviu de eixo para teorizações vindouras sobre a temática internacional, que frutificaram em contextos bem mais propícios, como o que se avizinhava nas últimas décadas do século XIX.
As transformações na produção industrial, com o fortalecimento dos monopólios, a concentração e centralização produtiva, a emergência do setor financeiro e a exportação crescente de capitais, bem como o acirramento das rivalidades e a intensificação do uso da violência e do domínio pelo mundo, impulsionaram as relações de produção capitalista para outros patamares. Marx não viveu esse momento de exponencial transmutação e internacionalização do capitalismo, mas suas premissas foram, todavia, ratificadas ao longo dos tempos. Os autores que lhe sobrevieram, e dele extraíram a matriz teórica, buscaram interpretar suas ideias acerca das relações internacionais e o capitalismo, tendo em vista a inédita expansão das relações de produção pelo mundo. Nessa seara, impõem-se os debates do imperialismo que não apenas inauguram, mas fundamentalmente carreiam o estudo das relações internacionais contemporâneas.
O primeiro momento que deixa essa interface mais clara pode ser chamado aqui é o debate inaugural é chamado de clássico, pioneiro ou tradicional. Do último quartel do século XIX até aproximadamente a Segunda Guerra Mundial é factível traçar um percurso entre as ideias que investigaram com profundidade as transformações do capitalismo. O contexto histórico é o da expansão do capitalismo para além da Europa do Norte, impactando nas relações sociais, políticas e econômicas na periferia europeia e em todo o mundo. É o momento em que o caráter essencialmente internacional do modo de produção capitalista torna-se indisfarçável. Nessa toada, os autores que vão não apenas problematizar teoricamente o fenômeno, mas vão engajar-se politicamente na empreitada.
Logo, das discussões sobre imperialismo se poderá identificar a emergência dos primeiros debates teóricos (e práticos) sobre relações internacionais e, portanto, próprio das Relações Internacionais enquanto campo científico. Este é o objetivo deste artigo, cujo percurso passará por uma breve contextualização teórica e fática do momento histórico e dos autores marxistas, até a extração do cerne do pensamento de cada autor envolvido nesse fértil ínterim. A partir desse construto é que se verifica a interface entre imperialismo e relações internacionais, estimulando a visão conjunta e entrelaçada de ambos. Sobre essa tarefa premente debruça-se este estudo.
1. O contexto do debate pioneiro
As concepções inaugurais sobre o imperialismo florescem em um contexto muito específico de expansão das relações de produção capitalistas pelo globo. O cenário internacional desempenhou função central não apenas na consolidação do capitalismo na Inglaterra, como também em todo o continente. A vantagem da burguesia britânica no comércio regional impôs à região novos desafios. Como maneira de compensar a defasagem cronológica e técnica, os entes territoriais atrasados (com destaque para a Alemanha, que se formou enquanto Estado-nação tardiamente em relação a seus concorrentes Inglaterra e França) travaram uma estratégia distinta da receita do livre comércio britânico6. A partir da crise de superprodução do crepúsculo do XIX que atingiu a economia inglesa, e por consequência as europeias, alternativas ao modelo econômico liberal foram empreendidas. Os desdobramentos para a superação da debacle ocorreram por alterações significativas na organização capitalista das sociedades. Transpassava-se o momento inicial de consolidação, para uma clara acentuação da organização monopolista. As experiências tardias de capitalismo concretizaram-se sem uma revolução social que destronasse o poder feudal e desenvolveram-se em economias organizadas e autoritárias, com notável dirigismo estatal, como nos casos imperiais de, por exemplo, Alemanha, Áustria e Rússia7.
Na consolidação e expansão dos Estados europeus pelo mundo, economia e política entrelaçaram-se. Com o respaldo das armas, há o assentamento efetivo da internacionalização da produção. No centro de acumulação capitalista, as rivalidades acirraram-se e materializaram-se em guerras e tensões pelo mundo em competição por recursos naturais e mercados. Nesse contexto, pululam conflitos intermetropolitanos. Ao mesmo tempo, verificou-se a decadência da hegemonia britânica, frente aos novos concorrentes, com a perda do comércio internacional e a ascensão do setor financeiro que pressionava por protecionismo, corrida armamentista e política colonial agressiva. Ademais, a emergência dos Estados Unidos da América se fazia notável. Os acontecimentos impactantes impunham ao movimento socialista internacional a necessidade de avaliar o que se passava. E nestas percepções eram incluídas inexoravelmente questões caudatárias, como a expansão colonial, o direito das nações à autodeterminação dos povos (e os desdobramentos do nacionalismo) e os impactos do capital financeiro e monopolista.
Era preciso, ao mesmo tempo, compreender as transformações da nova fase de acumulação capitalista, em seus aspectos econômicos, sociais e políticos, bem como suas decorrências para a luta revolucionária, a partir dos cismas que enfrentava o movimento operário, mediante o refluxo da postura revolucionária e do fortalecimento do revisionismo e das soluções de compromisso com a burguesia, no ambiente de guerra que se prenunciava.
Apesar das investigações sobre o fenômeno aparecer como no nome de imperialismo, com a ênfase em seu prisma econômico, terem sido suscitadas pioneiramente e isoladamente por Hobson8, é nos círculos marxistas que dedicação ao imperialismo ocorre com maior robustez em meio à Internacional Socialista (ou Segunda Internacional, iniciada em 1889). No Congresso realizado em Stuttgart, em 1907, mais precisamente, ocupando lugar de destaque até a Primeira Guerra e a Revolução Russa, em 1917. A questão colonial era a pauta, a qual impulsionou a polarização entre Bernstein, e os adeptos do revisionismo (a favor dos efeitos positivos do imperialismo, como a melhora da condição de vida dos trabalhadores), e Kautsky e Lênin (que se opunham, sendo críticos severos, cada qual à sua moda, das aventuras coloniais). O que mais interessa nesta clivagem é que dentro do polo crítico ao imperialismo é que emanaram os estudos mais frutificantes. Junto com os dois, outros três intelectuais socialistas vêm à tona no tocante ao tema. Notabilizam-se, por conseguinte, Bukharin, Luxemburgo e Hilferding como baluartes de um estudo pioneiro e sistemático acerca do modo de produção capitalista e seus desdobramentos no cenário internacional. Não obstante a singularidade marcante de cada pensamento, para além das intervenções diretas, dos cinco expoentes é plausível extrair os aspectos comuns que habilitam agrupá-los em um mesmo debate.
Os traços pessoais reluzem: a) oriundos de realidades germânicas e eslavas, ou seja, de sítios de desenvolvimento capitalista tardio e sem uma revolução burguesa; b) enxergavam de perto a concretude das alterações econômicas, que transbordam para as áreas política e social; c) com formação intelectual em estudos de economia política, buscavam complementar a obra inacabada de Marx; d) por sua participação política ativa sofreram de grandes privações e perseguições, quando não, vítimas de mortes trágicas.
Nessa toada, a realidade concreta que viviam e interpretavam era mais um momento, que poderia ser derradeiro ou não, do desenvolvimento das relações de produção. Comparam o final do século XIX e o início do XX em relação aos primórdios da Revolução Industrial e encontram sensíveis diferenças. O que os permite concluir pela transmutação do capitalismo concorrencial para o monopolista. Se em um primeiro ínterim havia concorrência entre os agentes econômicos e a prática do livre comércio, o cenário alterava-se consideravelmente. Emergia, então, após a depressão de 1873, uma reorganização do capitalismo com marcas da centralização da produção e da monopolização do mercado por cartéis e trustes, com forte concentração dos setores econômicos. O capital comercial era substituído pelo capital financeiro que controlava a economia e direcionava as pautas políticas.
As posições teóricas aproximam-se, em maior ou menor medida: a) identificam as conexões entre o processo de acumulação e a preponderância política e econômica do mundo pelas grandes potências capitalistas, olhando para um contexto muito específico; b) aplicam o método materialista histórico-dialético para destrinchar as nuances do mercado mundial; c) analisam o papel progressivo do capitalismo no desenvolvimento das forças de produção, o que, pelo evidente do acirramento das próprias contradições, indicaria a vivência em um momento decisivo; d) enxergam a expansão do capitalismo pelo mundo como efeito do transbordamento (spill-over) das formações internas para as externas; e) relacionam diretamente difusão do capitalismo à crise; f) entendem que a superação das exportações de capitais em relação à de mercadorias inaugura a fase monopolista-financeira, que deixa para trás o período do capitalismo concorrencial; g) apontam a desigualdade entre as áreas do globo (subdesenvolvimento), como sendo sinônimo de atraso, resultante da não superação ainda das resistências feudais ou escravocratas; h) denunciam o Estado como essencialmente burguês, voltada ao atendimento dos interesses capitalistas específicos, com apertadas margens de autonomia. O aparato estatal reforça o movimento de dentro para fora, esparramando os capitais pela cena internacional como forma de escapar às debacles e à tendência à queda nos lucros. O imperialismo é retratado, assim, pela ênfase em seu vetor econômico. Ele é resultado da dinâmica capitalista que, por suas próprias crises e contradições, impõe sua expansão pelo mundo em subjugação de outros espaços, o que acirra ainda mais os conflitos e tensões, abrindo flancos para os movimentos revolucionários ou para a transição socialista. O horizonte de mudança esteve presente em todas as ideias, ainda que por caminhos distintos.
O que os afasta são mais divergências sobre os meios e caracterizações e as conclusões políticas que atribuem ao desenvolvimento do capitalismo. Nesse diapasão, é plausível agrupá-los em dois vetores distintos, conforme a literatura especializada9. O primeiro toca a definição conceitual de imperialismo. Enquanto Hilferding, Kautsky e Bukharin analisam o fenômeno sob a perspectiva de uma política estatal, maculada pelo poderio político do capital financeiro, logo, uma diretiva que atende inevitavelmente aos interesses dos financistas, de expansão dos capitais nacionais metropolitanos pelo mundo; Lênin e Luxemburgo trilham o caminho do imperialismo configurado como uma fase, a mais recente e parasitária, do desenvolvimento capitalista, analisando-o não como restrito aos Estados mais fortes e à vontade de sua classe financeira, mas como parte de um todo, dos rumos que tomam o capitalismo em razão de suas próprias leis de movimento.
O segundo aspecto toca à postura política que aparta as concepções. Se Hilferding e Kautsky acabaram, por vias distintas, imigrando para o reformismo, advogando que, como o imperialismo é uma política, ele pode ser mudado, melhorado, e quando bem regulado, avance para a transição socialista, tendo o capitalismo um papel progressista por viabilizar o desenvolvimento das forças produtivas (incremento tecnológico e disparidades geográficas pelo mundo); Lênin, Luxemburgo e Bukharin capitaneiam a corrente revolucionária, que rechaçava veementemente as ideias anteriores, visto que o capitalismo em sua essência seria um sistema de exploração de uma área sobre a outra, sendo o imperialismo a ilustração de que as relações capitalistas se encontravam em estado de putrefação, o que viabilizaria a transformação estrutural, a revolução.
Em ambos os critérios, o que mais se evidencia é a polarização entre Lênin e Kautsky, a qual pautará estudos vindouros, mesmo porque entre eles houve um embate direto10. Para esse estudo, essa dualidade não será adotada como parâmetro por ser entendida como apenas um imbróglio aparente, envolvendo questões pontuais e não estruturais. Em outras palavras, visões antagonistas inseridas dentro de uma fronteira comum. A essência das ideias em ambos é a mesma, a economicista, assim como o contexto histórico específico, variando em aspectos condicionantes relevantes, mas que não impedem sua conjugação no mesmo ciclo, conforme os critérios balizadores desse trabalho. Logo, ao invés de dois agrupamentos, a sistematização dos pioneiros ocorrerá nesta seção pelo destaque, breve e sucinto, das originalidades e das contribuições de cada qual para a consolidação e propagação das ideias marxistas sobre o imperialismo.
A despeito do vínculo que os une, é fundamental respeitar a peculiaridade de cada pensamento, uma vez que cada reflexão é responsável por pavimentar o caminho e por influenciar autores e debates vindouros. Por isso, as intervenções intelectuais acerca do imperialismo serão suscitadas singularmente e na ordem cronológica de sua emergência na arena internacional.
2. Rudolf Hilferding (1877-1941) e o capital financeiro
Nasceu na Áustria e formou-se em medicina (vindo a exercer a profissão também no serviço militar da Primeira Guerra) em Viena, ao mesmo tempo em que se ocupava com estudos de economia política. Com a ascensão do nacional-socialismo de Hitler, é exilado, passando por Dinamarca, Suíça até parar na França, em Paris, onde fica, ainda participante de atividades políticas, até a invasão alemã à França, quando é extraditado, vindo a falecer logo depois por circunstâncias ainda não muito bem esclarecidas. Foi médico, economista político, militante socialdemocrata e ocupante de importantes cargos políticos na República de Weimar. Iniciou suas reflexões e atividade política, após seus estudos, como colaborador de periódicos e ministrou aulas de economia nacional para a recém-fundada escola de formação do Partido Socialdemocrata da Alemanha (SPD- Sozialdemokratische Partei Deutschlands). Sua vida foi pautada por forte engajamento político na socialdemocracia e, com a Revolução de Novembro (e a consequente derrubada da monarquia), foi ministro das finanças duas vezes, em 1923 (durante sete semanas, de agosto a outubro)11 e 1928 (de junho a dezembro de 1929), além de deputado e senador durante a República de Weimar, até 1933. Sua posição centrista dentro do SPD levou-o a ser alvo de críticas, como a de superestimar a força do movimento operário em conduzir o avanço gradual e pacífico para o socialismo.
O germânico escreveu obra mais impactante, o livro O Capital Financeiro, em 1910, quando colaborava intensamente para o jornal do partido socialdemocrata. Imediatamente após seu lançamento, a obra já foi considerada original para o pensamento político-econômico marxista. Representante do austromarxismo12, defensor do socialismo democrático e jurídico, cuja transição se daria pacificamente seguindo regras e instituições mediante a mobilização da classe trabalhadora, Hilferding analisou a fundo o que considerava ser o novo momento, uma política de desenvolvimento capitalista, a política do capital financeiro, partindo de conclusões antecipadas por Marx, buscando atravessar áreas não trilhadas a fundo pelo alemão.
Ocupava-se da natureza do capitalismo moderno, da estrutura de classes, do Estado e da política da classe operária. O trabalho do marxista austríaco parte de uma discussão sobre dinheiro e crédito, para examinar o crescimento das sociedades anônimas e dos cartéis, para avaliar as crises econômicas e, por fim, para tocar a teoria do imperialismo. O conceito de capital financeiro precisava ser aclarado, de maneira a possibilitar a concretude na análise. Esta é a grande contribuição da obra. Para o autor, o responsável pelas transformações que o capitalismo passava era a fusão do capital bancário (com prevalência deste) com o comercial, cujo somatório gerava o financeiro. Ele aponta para o capital financeiro não como um estágio final do capitalismo, mas uma condição prévia para a emergência de um capitalismo organizado13.
A tendência à concentração e à centralização das relações de produção ocorria devido às transformações capitalistas patrocinadas pelo Estado. Com o foco situado nos desdobramentos do desenvolvimento alemão e austríaco, o socialdemocrata é influenciado pelo nacionalismo econômico14, no qual o capitalismo deveria ser organizado e planejado, sem as imprevisibilidades da livre concorrência. Ao contrário do que pregava a Inglaterra, o capitalismo na Alemanha, e em alguma medida também na Áustria, gestado extemporaneamente no tocante a seus congêneres europeus, fertilizou-se baseado no protecionismo, na formação de cartéis e na expansão dos monopólios nacionais em concorrência interimperialista com os de outras potências europeias.
O austríaco fundamenta suas conclusões acerca do imperialismo, com fulcro nos efeitos políticos e sociais da economia. Assim, o desenvolvimento dos monopólios e cartéis acarreta o protecionismo, restringindo ou eliminando a concorrência internamente. Isso gera a elevação dos preços, que, por sua vez, reduzem a quantidade demandada, as vendas. Logo, as exportações tornam-se nodais para a produção. A de capitais suplanta a de mercadorias, expandindo a produção e o mercado consumidor para outras áreas, nas quais as condições sociais permitem a extração de lucros maiores. Esse movimento requer o apoio do Estado, na condição de garantidor militar das empreitadas, o que quando praticado por mais de uma nação, fomenta guerras e conflitos metropolitanos. O direcionamento do aparato estatal para a efetivação dos interesses do capital financeiro, mediante forte pressão deste setor é que caracteriza a política imperialista. Em outras palavras, o imperialismo manifesta-se por uma mudança substancial na relação entre burguesia e Estado. Por esta conceituação, é possível afirmar que Hilferding esboça as diretrizes da teoria do capitalismo monopolista de Estado.
Essencialmente expansionistas, os monopólios buscam, então, no plano mundial os lucros máximos. Nesse sentido, relacionado com as contradições e crises do capitalismo, o imperialismo seria a manifestação política da vontade do capital financeiro, em sua voracidade de abrir novos mercados de exportação de capitais, revertendo a tendência à queda da taxa de lucros e formando, assim o maior território econômico supranacional possível, ou seja, aumentando a taxa de exploração15.
Por isso, ocorre a reprodução induzida e interiorizada do capital monopolista em formações sociais exteriores. Logo, o conceito de imperialismo é dado como um fenômeno histórico, limitado no tempo e no espaço e entendido como uma política do capital financeiro que captura o direcionamento estatal para fomentar seus objetivos. Para Hilferding (1985), a política do capital financeiro atendia a três objetivos primordiais, a saber: a) a criação do maior território econômico possível; b) que deveria ser murado à concorrência estrangeira; c) convertendo-se em área fértil para a exploração das associações monopolistas nacionais.
Nessa toada, pode-se afirmar que Hilferding contribuiu determinantemente para a difusão e o estudo do conceito de imperialismo. Malgrado as contestações acerca de seu pensamento, que já emergiam a seu tempo, não há como negar que suas ideias perduraram no tempo.
3. Rosa Luxemburgo (1871-1919) e o subconsumo
Nasceu na década de 1870, na Polônia, em território ocupado pelo Império Russo, em uma família judia. Estudou em Varsóvia e rapidamente se integrou a grupos de esquerda, o que a obrigou a emigrar, tendo em vista a perseguição política empreendida em 1889. Depois disso, passou sua vida em Zurique, onde aprofundou seus conhecimentos em economia política, ao mesmo tempo em que fundou o partido socialdemocrata polonês. Em 1897, defendeu sua tese de doutorado. No ano seguinte, muda-se para a Alemanha e casou-se para obter a cidadania alemã. Logo ingressou no SPD, sempre se colocando por meio de posições firmes e contrárias ao revisionismo de Bernstein. A partir de 1907, substituiu Hilferding nas aulas de economia política no curso de formação do partido, até 1914. Com a deflagração da guerra e a divisão no seio do partido, ficou ao lado dos defensores da revolução, que seria fomentada em meio aos conflitos mundiais. Com a decisão dos socialdemocratas em votar a favor da concessão dos créditos de guerra, Luxemburgo abandona o partido e funda a Liga Espártaco16. Em 1918 para 1919 participa da fundação do partido comunista alemão (KPD- Kommunistische Deutsche Partei). Sua postura política aguerrida e corajosa (antimilitarista e internacionalista) em torno da causa revolucionária17 foi apenada com uma morte precoce e bárbara já no alvorecer da República de Weimar, em 1919. A tragédia foi o prenúncio do nazismo e do totalitarismo que emergiam.
Foi uma mulher que marcou época, desenvolvendo uma contribuição sem parâmetros para os estudos críticos. Sua história e sua obra permaneceram vívidas às futuras gerações. Participou ativamente das insurreições na Rússia, em 1905, e na Alemanha, em 1918. Abrilhantou tanto o movimento operário quanto o pensamento socialista, ao defender teses singulares de uma estratégia internacionalista. Não aceitava como reação à opressão sofrida a aliança nacional de classes. Essa firmeza política também se refletia intelectualmente quando, discípula da economia política marxiana, ousou questioná-la, em direção à formulação de sua teorização sobre o imperialismo. A autonomia que lhe regia as ideias levou-a a antecipar a crítica do socialismo real. Nessa toada, militou e fundou partidos, bem como escreveu trabalhos paradigmáticos.
No trabalho que intencionava popularizar as premissas marxianas, Luxemburgo foi além. Escreveu sua grande reflexão no livro A acumulação de capital (1912), no qual ela aponta desde o início a questão principal de seu pensamento, afirmando que, nas sociedades pré-capitalistas, a reprodução do capital não era determinada pelas relações de produção, mas pelas necessidades do consumo; sendo que no modo capitalista a necessidade de consumo assume a forma de realização do mais-valor. A reprodução capitalista não seria limitada pela capacidade de produção, mas pelas necessidades de consumo. O limite da expansão capitalista é dado pelo consumo, que é feito pelos trabalhadores, enquanto os capitalistas acumulam. O que importa não é o mais-valor produzido, mas aquele que pode ser realizado. Assim, o foco passa pelo estímulo à demanda agregada18. Com a capacidade de consumo afetada, o sistema entraria em colapso. Como somente os capitalistas acumulam, não há acumulação nos territórios não capitalistas19. A acumulação conduz as economias capitalistas ao problema crônico da realização de mais-valor. Uma vez que somente os trabalhadores consomem e esses estão sempre com as possibilidades limitadas pela apropriação de seu produto por outrem, quando a exploração aumenta, o subconsumo reluz. Assim, inerentemente expansivo, o capitalismo espraia-se, pois precisa das formações pré-capitalistas, exteriores, para sua reprodução.
Em toda sua obra os espaços pré-capitalistas compõem o eixo central para dissecar do modo de produção capitalista. A verificada expansão do capitalismo em sociedades pré-capitalistas vislumbra não apenas um escoadouro à produção, mas fundamentalmente meios de produção, meios de consumo e mão de obra. Em suas formulações, Luxemburgo, à luz de substanciais comprovações históricas, denuncia o caráter penetrante do modo de produção capitalista, que solapa as bases da economia natural transformando-a em mercado. O capital condiciona e impõe-se sobre o terreno não capitalista, revolucionando-o e moldando-o em formas sociais similares. O imperialismo seria, portanto, parte desta dinâmica, com a inclusão das anexações territoriais, e não exatamente uma política. Logo, não seria uma fase momentânea do capitalismo, mas uma característica intrínseca e constitutiva do modo de produção, que depende da incorporação de áreas não capitalistas para sua reprodução.
“O imperialismo é a expressão política do processo de acumulação do capital em sua competição pelo domínio de áreas do globo ainda não conquistadas pelo capital” (LUXEMBURGO, 1985, p. 305). Em outras palavras, não é a política do capital financeiro, mas a manifestação política dos desdobramentos econômicos capitalistas. De acordo com as contribuições de Luxemburgo, a acumulação primitiva seria o motor da reprodução capitalista por oferecer e elevar o consumo necessário, viabilizando a acumulação crescente. Na busca pela demanda externa, o militarismo desempenha papel nodal por impor aos espaços não capitalistas a lógica das grandes potências. Luxemburgo não se esquece de asseverar com frequência a centralidade que a força militar ocupa na acumulação primitiva20.
Logo, escancara as relações imperialistas que envolvem os capitais e a força militar, presentes nos processos de expansão e conquista das potências centrais no sistema internacional. Ademais, do ponto de vista econômico, a beligerância atende também como meio para a realização de mais-valor do capital, caracterizando um espaço propício à acumulação. Com apoio militar, irremediavelmente, o capitalismo abarcaria todos os quadrantes do globo, o que, contraditoriamente, batizaria seu ocaso, visto que a capacidade de acumular ficaria cada vez mais restrita pela falta de demanda externa (não capitalista). É nessa brecha que teria lugar a revolução proletária21.
Apesar da assertividade teórica, Luxemburgo não galgou predominância nos círculos intelectuais, sendo alvo de intensas críticas. Não obstante as discussões em torno dela, as concepções de Luxemburgo, que explicavam o imperialismo pelo consumo e pela dinâmica da acumulação e da crise, pavimentaram, todavia, as bases que viriam a influenciar muitos autores seminais22.
4. Karl Kautsky (1854-1938) e o ultraimperialimo
Nasceu em Praga, no, então, Império Austríaco, e veio a falecer por motivos de saúde, quando já morava na Holanda, uma vez que fora exilado após a anexação da Áustria pela Alemanha nazista. Estudou em Viena, quando se converteu do nacionalismo tcheco para o socialismo, o que lhe proporcionou conviver nos círculos intelectuais da época, vindo a se formar um renomado pensador, que também pode ser incluído na corrente austromarxista. Após ler intensamente Engels, conheceu Bernstein e começou a se ocupar com o marxismo, indo em 1881 a Londres conhecer Marx e Engels. Em 1883 fundou e foi editor e redator-chefe até 1917 do periódico Die Neue Zeit o qual gozou de bastante notoriedade à época e no qual escreveu seus artigos mais impactantes sobre o imperialismo, entre 1913 e 1914, como ocorreu em setembro do último ano, no escrito Ultra-imperialism. Embora Kautsky não tenha uma obra emblemática como os outros expoentes, seus artigos permitem compreender claramente as diretrizes de suas ideias.
Entre 1885 e 1890, após a morte de Marx, muda-se para Londres e estreita as relações com Engels, com quem estudou com afinco o pensamento marxiano. Ao voltar à Alemanha tornou-se um dos principais ícones do SPD, compondo com outros políticos mais entusiastas da socialdemocracia a ala centrista do partido, da qual Hilferding também fazia parte. Dos pensadores marxistas daquele interregno, Kautsky, talvez, tenha sido o mais influente em seu tempo. Sua presença foi muito intensa no movimento socialista mundial no início do século XX, quer pelos discursos, quer pelas publicações. Pela convivência com os dois e pelos estudos, era tido como um sucessor de Marx e Engels. Sua trajetória política desfez todas as expectativas. De ícone da esquerda, trafegou pelo centro durante a Primeira Guerra Mundial (também se opôs à concessão de créditos para o conflito, ao ponto de sair do SPD em 1917 para depois retornar em 1919) até parar na direita após a revolução na Rússia, exercendo o papel de crítico feroz dos bolcheviques.
Para ele, o motor da história não era a luta de classes, mas o acirramento da contradição inerente entre as forças produtivas e as relações de produção, que poderia levar ao socialismo. Sua interpretação determinista das leis de movimento do capital simplificou o pensamento marxiano a um evolucionismo23, que como discurso político conseguia galgar bastante popularidade. Em seu etapismo, a questão agrária desempenhava papel fundamental, tendo em vista o avanço do capitalismo industrial e sua dominância sobre esta, o que viabilizaria o impulso das transformações capitalistas. Na sequência das mudanças, não entendia ser o proletariado suficientemente forte para conduzir a revolução, mas via seu enfraquecimento com a ascensão do capital financeiro, defendendo como solução reformas e a incorporação dos benefícios da democracia burguesa. Sua postura política volátil influenciou em suas elaborações teóricas, o que o induziu a repensar alguns conceitos.
Também o faz com o imperialismo, definindo-o como uma política do capitalismo desenvolvido, própria daquele momento histórico, mais uma dentre um grande leque de outras possibilidades. Equipara-o à política de livre comércio, que precedeu o imperialismo, sendo por esta substituída. Seguindo o raciocínio evolucionista, o imperialismo também seria superado, e por suas contradições inerentes, cavando sua própria cova24. Nesse diapasão, as raízes do imperialismo estariam na tendência do modo de produção capitalista em corromper a proporção entre os diversos setores da produção, sobrepondo-se a produção industrial em relação à agrícola. O setor industrial internamente gera desigualdades e distorções que leva à superprodução. A reversão da crise é viável pela expansão para fora, avançando sobre as formações sociais ainda agrícolas, nas quais se busca os meios de subsistência (força de trabalho), a matéria-prima e o mercado consumidor. A tendência das nações industriais poderia assumir as formas mais variadas, podendo uma suceder a outra, sem um parâmetro específico. “Uma forma particular dessa tendência é o imperialismo, que foi precedido por outra forma, o liberalismo, considerado, meio século atrás, como a última palavra do capitalismo, como se faz hoje com o imperialismo”. (KAUSTKY, 2002, p. 456)
Kautsky questiona seus críticos se o imperialismo seria mesmo a última forma fenomênica possível da política mundial capitalista, sem haver outras possibilidades; se configuraria a única forma possível para expandir a troca entre indústria e agricultura no âmbito do capitalismo. Sua resposta é negativa. Por essa perspectiva, o imperialismo consiste em um resultado do capitalismo industrial altamente desenvolvido, o qual tende a submeter e a anexar as regiões agrárias do mundo para elevar suas condições de concorrência. Logo, o capital financeiro é a causa, da qual o imperialismo é a consequência. A lógica não é, contudo, tão automática. Por um lado, o imperialismo deprecia a condição da classe trabalhadora ainda mais, o que pode ser revertido pela revolução socialista, quando o proletariado dos países capitalistas estiver suficientemente forte. Por outro, a ocupação e subjugação de zonas agrárias acirra ainda mais os conflitos bélicos entre os países, o que prejudica contraditoriamente os próprios negócios e os lucros dos capitalistas.
Kautsky, escrevendo após os primeiros e intensos acontecimentos da Primeira Guerra, identifica-a como uma enorme distorção, ocasionado por diversos motivos, um momento pontual e excepcional, que não se coadunava com a evolução das relações capitalistas. Com fulcro no determinismo econômico, não vê razão no fomento e alargamento dos conflitos. O germânico de Praga lança mão da ironia para apontar a discrepância entre a racionalidade econômica e as guerras, o que as desestimularia a partir da tomada de consciência dos capitalistas. O conflito interestatal leva à falência das próprias economias, logo, não fazendo nenhum sentido racional. Assim, rechaça o horizonte da continuidade das disputas bélicas e armamentistas após o término da Primeira Guerra Mundial. As guerras não irão gerar condições para a revolução, mas, sim, para a superação do imperialismo e sua transformação em uma santa aliança entre os grandes capitalistas, que são os que perdem com as rivalidades. O desfecho da Grande Guerra determinará os rumos mundiais. A expectativa é que se confirme a chegada de um novo momento, inaugurando uma era de esperança e pacifismo no interior do capitalismo25.
O ultraimperialismo seria outra, uma nova política, posterior ao imperialismo, na qual dominaria um cartel internacional do capital. Kautsky insiste no alerta à nova fase do ultraimperialismo26.
Assim como Hilferding e Luxemburgo, é indubitável a contribuição de Kautsky para o debate do imperialismo, ainda que mais pelas contestações que sofreu do que pelos elogios que recebeu. Com efeito, suas ideias reverberaram direta ou indiretamente pelos estudos vindouros, tanto no campo da política quanto na seara das relações internacionais, dentro e até fora do espectro marxista.
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5. Nikolai Bukharin (1888-1938) e a economia mundial
Nasceu em Moscou e veio a falecer em decorrência da condenação e execução perpetradas pelo governo de Stálin, sob a acusação de traição. Tido como um intelectual brilhante por seus pares, como Lênin, o, então, jovem russo envolveu-se com política a partir da Revolução de 1905. No ano seguinte, filiou-se ao partido socialdemocrata russo, integrante a ala bolchevique (majoritária). Anos mais tarde viria a compor o Comitê Central da organização. Foi preso e exilado na Sibéria pela repressão czarista. Ao fugir atravessou diversos países até chegar à Áustria, tendo estudado em Viena com expoentes da renomada escola de economia política austríaca, o que motivou suas reflexões acerca do capitalismo. No exílio, em 1912, conheceu Lênin, com quem manteria contatos estreitos (e criticaria após a tomada do poder), e logo depois, Stálin. Nos anos de 1914 e 1915 dedicou-se aos estudos sobre o imperialismo, que se congregam no livro que somente seria publicado após a Revolução de Outubro. Retorna ao seu país de origem com o levante de fevereiro e participa ativamente da Revolução Russa. Com o novo governo bolchevique, fez oposição à esquerda a Lênin, questionando a nova política econômica (NEP) e a assinatura do tratado de paz com a Alemanha (Tratado Brest-Litowski). De aliado transferiu-se para o lado opositor a Stálin em virtude do rechaço à política de coletivização da agricultura. Ainda assim, conseguiu anda ser presidente da III Internacional, de 1926 a 1929. Não demorou muito para perder o prestígio no país, mediante a onda de expurgos comandada pelo stalinismo.
Destacou-se como jornalista e dirigente político. Ao tempo da eclosão da Primeira Guerra Mundial dedicou-se aos estudos acerca do imperialismo. O livro de maior destaque do russo, A Economia Mundial e o Imperialismo, foi escrito em 1915 e publicado em 1917, tendo sido originalmente prefaciado por Lênin. Influenciado por Hilferding e Lênin, não compactuava inteiramente das ideias de ambos. Para ele, o imperialismo não era mais um dos problemas fundamentais da economia, mas a questão essencial por trás das transformações modernas do capitalismo. Suas ideias ficaram, e, em grande medida, ainda estão eclipsadas, pela dupla rejeição da qual foi vítima. Os críticos a Stálin o compreendiam como um stalinista por ter ocupado importantes postos no governo soviético, enquanto que para os stalinistas suas concepções eram consideradas nefastas, a ponto de ter sido condenado à morte pelo Estado soviético.
Sua visão é sistemática, examinando a economia mundial como uma totalidade, sendo os Estados não apenas economias isoladas, mas organismos econômicos nacionais que travam também relações mercantis internacionalizadas e, por isso, atuam num ambiente de concorrência acirrada. “Assim como toda empresa individual constitui uma parte componente da economia nacional, cada uma dessas economias nacionais é também parte integrante do sistema da economia mundial”. (BUKHARIN, 1984, p. 17). Nota-se que a noção de totalidade do sistema internacional demarca a originalidade do pensamento do intelectual russo, que não trata o todo como a soma das partes, mas como um conjunto próprio. Com fulcro nesse mesmo solo teórico, fica explícita a contradição entre as tendências à nacionalização e à internacionalização, que marca a relação entre Estados e capitais. “A partir daí, podemos definir a economia mundial como um sistema de relações de produção e de relações correspondentes de troca, que abarcam o mundo em sua totalidade” (BUKHARIN, 1984, p. 24). Ante a complexidade das reflexões, o russo antecipa o ponto de partida das análises originais vindouras. Principalmente na obra, publicada em 1924, Imperialismo e Acumulação de Capital, o intelectual russo continua suas reflexões, marcado ainda mais a via particular de seu pensamento. O contexto favoreceu um olhar mais apurado sobre o panorama já dado das teorias do imperialismo. Assim, não poupa críticas a Luxemburgo, o seu principal alvo, bem como às concepções de Kautsky. A visão sistemática de Bukharin e a dualidade contraditória da acumulação capitalista que assinalam sua obra viriam, não fortuitamente, 50 anos mais tarde, a ser resgatadas pelo principal expoente do debate alemão do mercado mundial27.
O desenvolvimento capitalista traz como resultado, de um lado, a internacionalização da vida econômica e o nivelamento econômico; e, de outro, a acentuação da tendência à nacionalização dos interesses capitalistas e à formação de grupos nacionais interligados e beligerantes. Dinâmica que acirra as contradições e os conflitos. O motor desta inter-relação é a competição intensa entre os grupos burgueses. Tendo em vista que cada qual aspira universalizar seus interesses, os conflitos são inerentes. As tensões, apesar de representadas pelos aparatos estatais nacionais, seriam gestadas pelos trustes nacionais que vão impulsionar a concorrência e a luta pelo controle de territórios pelo mundo28.
Percebe-se que a visão quanto ao Estado ainda se atrela à de seu tempo, manifestando elementos do capitalismo monopolista de Estado. Compartilhando da concepção de Hilferding acerca do capital financeiro, sua interpretação sobre o pensamento do socialdemocrata austríaco ocorre de forma bem ortodoxa, defendendo que o capital financeiro não poderia seguir outra política que não a do imperialismo, o que conduz inevitavelmente à guerra. O capital financeiro prega liberdade, mas deseja dominação; exige seu atrelamento ao capital industrial para compartilhar o ônus, mas colhe sozinho o bônus; e não admite concorrência, a não ser para beneficiá-lo29. As relações de produção replicadas pela política imperialista permitem que os laços econômicos internacionais passem a ter ramificações por todo o globo, tendo seu epicentro no domínio internacional das finanças. Bukharin não olvida do poder dos conglomerados financeiros, uma vez que enfatiza em seus escritos a necessidade de uma visão sistêmica da exportação de capitais em meio à realidade complexa do sistema mundial.
Nesse ponto, apesar de crítico ácido de Kautsky, Bukharin, mediante uma visão mecânica da totalidade da economia mundial, acaba por, contraditoriamente, aproximar-se das premissas e das previsões do socialdemocrata tcheco. Em outras palavras, como o revolucionário russo identifica o imperialismo enquanto política do capital financeiro, ele entende também que esta é possível de ser superada a ponto de atingir outra fase, com diferentes desdobramentos políticos. É nessa linha que delineia as consequências do processo de concentração e organização da produção. Prevê um amplo domínio do capital financeiro em uma unidade econômica, sem fronteiras nacionais, que se espraia pelo globo30.
Malgrado alguma similitude, não é factível alinhar o pensamento de Bukharin a Hilferding ou, mesmo, a Kautsky, em função das distinções tanto teóricas (em menor medida) quanto políticas (em maior medida), estando mais afim às noções de Lênin. Apesar de sua obra ter sido relativamente eclipsada, seu papel como teórico impactante do imperialismo fica reservado, tendo contribuição indelével no tocante às discussões sobre capitalismo e relações internacionais.
6. Lênin (1870-1924) e a fase superior do capitalismo
Vladimir Ilitch Ulianov nasceu em Simbirsk, atual Ulianovsk (homenagem em seu nome), na Rússia, e veio a falecer, quando, então, era chefe de Estado da União Soviética. Seu interesse pela política foi despertado da maneira mais cruel, com a prisão e morte de seu irmão por oposição ao regime czarista. Entrou para os círculos marxistas em 1888, vindo logo o engajamento político e as publicações. Estudou direito em Samara, na Rússia, e advogou por dois anos. Em 1893 mudou-se para São Petersburgo, onde iniciou os contatos com os socialdemocratas russos. Ao participar do encontro do SPD em 1895, na Suíça, ficou conhecido em função das atividades consideradas subversivas. Por causa disso, ao retornar para a Rússia foi preso e exilado na Sibéria, tendo ficado dois anos na prisão invernal até a fuga. No exílio, em 1900, começa a escrever em jornais políticos e adota o pseudônimo Lênin. Opõe-se, ao lado de maioria (bolchevique) contra a minoria (menchevique), dentro do partido socialdemocrata russo, gerando um racha na organização. Tentou regressar à Rússia na Revolução de 1905, mas não encontrou no país espaço para a organização da revolução, voltando para o exílio, agora, em Paris. Em 1912, funda o jornal Pravda, tendo como participante do comitê central Stálin. Com a eclosão da Primeira Guerra, o pensador russo volta à Suíça. Com a revolução de fevereiro de 1917, retorna finalmente à pátria para propor caminhos e questionar o governo dos mencheviques31. Depois de um curto refúgio na Finlândia, comanda a Revolução de Outubro, tornando-se o primeiro presidente do Conselho dos Comissários do Povo da União Soviética, vindo a falecer por motivo de doença ainda no cargo.
Na contramão do movimento comunista internacional (cujo refluxo vinha se alargando desde a morte de Marx) que adotara uma postura derrotista, reconhecendo a inviabilidade da revolução e na defesa das reformas capitalistas, o revolucionário russo não cedeu às pressões. Com uma enorme capacidade de conectar a teoria e a prática, conseguiu extrair o vínculo entre as condições gerais de desenvolvimento do capitalismo moderno com a situação em seu país. Mesclando o pensamento e a luta revolucionária foi responsável pelos rumos que o sistema internacional e o capitalismo tomaram.
No contexto de avizinhamento da guerra e de combate às posições reformistas da Segunda Internacional e do SPD alemão, o político comunista desenvolveu sua teoria sobre o imperialismo. O intelectual realizou um rigoroso exame de diversas obras32, nos mais variados idiomas, sobre a economia mundial, como preparação para escrever seu livro mais emblemático Imperialismo, fase superior do capitalismo. A análise econômica não é, todavia, a grande originalidade do trabalho, tendo em vista que declaradamente se espelha nas observações de Hobson e de Hilferding. O ponto máximo do livro é a articulação concreta da teoria econômica do imperialismo com todas as questões políticas daquele momento, tendo sido escrito na primavera de 1916 e publicado em 1917.
Diferentemente dos teóricos anteriores, defende arduamente que o fenômeno imperialista não seria apenas uma política externa para satisfazer as necessidades e pressões acerca do excedente do capital no poder dos países centrais. Em sua visão, o imperialismo expressa mudanças substanciais na esfera política, social e econômica no desenvolvimento do capitalismo nos países metropolitanos. Essas transformações constituem evidências não de uma política, mas de uma fase do capitalismo, a última, a mais recente, que impõe como a de contradições mais acirradas, aquela que viabilizará a sua própria superação, em um capitalismo avançado, em estado de putrefação, que seria a antessala do socialismo. Nesse sentido, sua perspectiva denota que o imperialismo é um elemento intrínseco ao capitalismo. A fase anterior, a da livre concorrência, ainda não ilustrava a maturidade do modo de produção, que só veio a se concretizar no capitalismo moderno, monopolista. “O século XX assinala, pois, o ponto de viragem do velho capitalismo para o novo, da dominação do capital em geral para a dominação do capital financeiro”. (LÊNIN, 2012, p. 74).
Com efeito, o conceito de imperialismo de Lênin é formado por cinco traços nodais33: 1) aumento da concentração da produção e do capital levando à formação de monopólios; 2) fusão do capital bancário com o capital industrial, dando origem ao capital financeiro e à oligarquia financeira; 3) predomínio das exportações de capitais sobre a exportação de mercadorias; 4) formação de cartéis internacionais que dividem entre si o mercado mundial; 5) partilha territorial do mundo entre as grandes potências. Nessa toada, ao contrário dos teóricos marxistas aqui revisitados que vinculavam o fim do capitalismo com a sua debacle econômica, provocada pela tendência decrescente da taxa de lucro, para Lênin, a putrefação do capitalismo não decorre de sua inviabilidade econômica, mas da sua incapacidade inerente de estipular limites à reprodução ampliada do capital e, com isso, atenuar seus efeitos deletérios. Assim, não compactua com o determinismo economicista. Em sua perspectiva totalizante o capitalismo monopolista gera impactos distintos na economia mundial, constituindo polos desiguais de desenvolvimento. Com fulcro nesta abordagem, o intelectual russo busca explicar os acontecimentos mundiais e advogar por sua postura favorável à revolução. A originalidade da abordagem leninista está na conclusão de que o imperialismo era uma fase determinada do capitalismo e que este interregno oferecia ao proletariado armas para a luta política34.
Imbuído dessas perspectivas, estrutura suas ideias em sua obra paradigmática em grandes temas que podem ser sintetizados em seis tópicos: formação dos monopólios; capital financeiro; exportação de capital; partilha do mundo entre as associações capitalistas e grandes potências estatais; aristocracia operária; e o imperialismo enquanto estágio particular do capitalismo.
Os monopólios seriam resultados da concentração e centralização do capital, intensificadas pela ampliação do capital constante na produção (maquinarias e equipamentos) e pelas fusões e aquisições que formam grandes blocos capitalistas que controlam o mercado, organizados em sociedades anônimas. Para comprovar suas afirmações utiliza-se de dados econômicos e da evolução cronologia do desenvolvimento dos países, notadamente, Alemanha e Estados Unidos, mas também da Grã-Bretanha. Conclui que os monopólios decorrem do auge da livre concorrência, que quando estimulada ao máximo leva à concentração. Lênin resume a trajetória dos monopólios35.
Nessa concepção que vincula o capitalismo monopolista e o imperialismo, um setor específico da economia desempenha função axial, o bancário. De mero intermediário do comércio de dinheiro, os bancos, no processo de concentração e centralização da produção, passam a ser os agentes fomentadores da atividade econômica. Com isso, transferem para si grande parte do mais-valor extraído na indústria, uma vez que predomina sobre o industrial nesta espúria fusão. Nesse ponto, Lênin demonstra a influência exercida por Hilferding em sua formulação, destacando a fusão entre capital bancário (com predominância deste) e o capital industrial, formando o capital financeiro. A manobra permite o surgimento de uma oligarquia financeira, com elevado poder político, que se constitui uma camada parasitária e rentista da burguesia36.
A reorganização econômica em torno dos monopólios financeiros intensifica a exportação de capitais. Sobretudo com a ajuda da pressão pelo expansionismo da oligarquia financeira, a exportação de capitais supera a de mercadorias, marcando a mudança de estágio capitalista. “O que caracterizava o velho capitalismo, onde reinava plenamente a livre concorrência, era a exportação de mercadorias. O que caracteriza o capitalismo moderno, no qual impera o monopólio, é a exportação de capital”.(LÊNIN, 2012, p. 93). Via empréstimos e investimentos em infraestrutura em outros países, a entrada dos capitais centrais impacta consideravelmente na matriz produtiva das nações menos desenvolvidas economicamente. Não restam mais dúvidas acerca da direção do capitalismo moderno de então.
Nesse sentido, ganham importância as nações periféricas, alvos da sede imperialista por lucros máximos, sendo repartidas por empresas e pelos Estados centrais, sofrendo as consequências dos conflitos bélicos, na disputa concorrencial. O mercado interno estaria inexoravelmente vinculado ao externo. Disso decorre a essência expansionista das relações capitalistas. À medida que se elevava a exportação de capitais, ampliavam-se as áreas de influência das potências metropolitanas. Exemplos de associações monopolistas internacionais poderiam ser encontrados no setor elétrico e na indústria do petróleo. Os trustes seriam movidos pela lógica da luta pelo território econômico, concorrência que estimula conflitos. A busca por fontes de matérias primas e mercados consumidores acontece com o imprescindível apoio estatal, que mediante sua força militar atua como garantidor das empreitadas do capital financeiro pelo mundo. O intelectual russo exemplifica o que considera as ações imperialistas da época37.
A repartição do globo pelos interesses econômicos e políticos não é imune aos conflitos, ao contrário, estes estão enraizados na essência do capital financeiro. O acirramento destes conflitos resulta em guerras fratricidas que, contraditoriamente, enfraquecem as próprias relações capitalistas. Grande exemplo desta lógica seria a Primeira Guerra Mundial. Do alto de sua visão estratégica, Lênin a define como imperialista, espoliadora e antiproletária e indica nela a margem de oportunidade para a insurgência da classe proletária. Atribui à não deflagração das revoluções operárias pelo mundo aos próprios trabalhadores, o que denomina de sindicalismo amarelo38, fazendo alusão à posição conformista, conciliatória e antirrevolucionária do movimento operário.
Dessa forma, o imperialismo reluz a mesma lógica capitalista, agora, sob bases ainda mais exploratórias, de concentração, de desenvolvimento enviesado e de dominação e violência. Nesse contexto, com fulcro nas premissas teóricas que constituem a obra, Lênin entende ser o capitalismo financeiro um estágio, derradeiro, agonizante do modo de produção, o qual não tem prazo determinado para findar-se, mas com a derrocada iminente. Como análise concreta de uma situação concreta, a obra de Lênin precisa ser tomada nestes termos para que não se precipitem conclusões equivocadas. Aqui a visão de Lênin já se demonstra inovadora ao discutir com mais ênfase e antecipar questões que viriam a ser o cerne dos debates contracorrentes em meados do século XX.
Claramente, a compreensão de Lênin acerca das questões mundiais já alicerça as bases para o debate teórico fundamental dos estudos internacionalistas. Em suma, com a sucinta exposição do arcabouço teórico de Lênin, o ápice teórico dos pioneiros do imperialismo, cumpre ressaltar a relevância das contribuições apresentadas que vieram a constituir as bases para as discussões vindouras no que tange a imperialismo. Em que pesem às abordagens estarem fixadas na realidade concreta da época, suas reflexões sobre a interface entre sistema de Estados e capitalismo pode ser considerada o alicerce dos estudos mais elaborados e especializados acerca e no campo das Relações Internacionais.
Observações finais
Diante do exposto, cabe concluir a revisão bibliográfica, sem qualquer pretensão de exaurir o tema, ao contrário, apontando para os vastos horizontes de desenvolvimento que se apresentam.
O que se denomina aqui de debate pioneiro acerca do imperialismo não é exatamente a reunião de discussões entre os autores, ainda que haja intervenções nesse sentido entre alguns, mas a convergência de formas de pensamento que podem ser agrupadas em virtude de um liame comum. Todos os intelectuais citados buscavam explicações e manifestavam suas interpretações em relação às transformações no modo de produção capitalista, que, além de efeitos econômicos evidentes, ocasionava mudanças políticas na configuração interestatal. De modo velado ou explícito, esses marxistas influenciaram os pensadores seguintes quanto não apenas a necessidade de mirar a seara internacional, como, fundamentalmente, chamando a atenção para a centralidade das relações internacionais no desenvolvimento do modo de produção capitalista e expondo as suas bases e suas manifestações.
Logo, é justamente no crepúsculo do século XIX e na aurora do século XX que se finca o ponto de partida dos estudos teóricos sobre Relações Internacionais, os quais permitem a compreensão de seus fenômenos em toda sua plenitude.
Luiz Felipe Osório é doutor em Economia Política Internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor do Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Nota do editor: o texto é uma adaptação ampliada e revista do primeiro capítulo do livro Imperialismo, Estado e Relações Internacionais, da Editora Ideias & Letras, de 2018.
Imagem: caricatura do fim do século XIX por Henri Meyer (1898).
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WARREN, Bill. Imperialism: Pioneer of Capitalism. London: Verso, 1980.
1Cf. Teschke, 2016.
2Cf. Monteiro e Gonçalves, 2015.
3Cf. Fernandes, 1998.
4Cf. Marx, 2011, p. 445-446.
5Cf. Ferreira, 1999.
6Cf. List, 1986.
7Cf. Moore Jr., 1966.
8Cf. Tavares, 1985.
9Cf. Alavi, 1973; Barone, 1985; Borón, 2006; Brewer, 1990; Callinicos, 2009; Del Roio, 2007; Mariutti, 2013; Owen e Sutcliffe, 1972; Santi, 1973; Warren, 1980.
10As polêmicas entre Kautsky e Lênin (ultraimperialismo x imperialismo), presentes em diversos momentos nos escritos de ambos, vão servir de alicerce para os embates teóricos posteriores sobre imperialismo, podendo ser verificadas até nas discussões atuais (ARRIGHI, 1983; HAUG, 2003).
11Nesse período, em setembro, apresentou uma solução para a hiperinflação enfrentada pela Alemanha, com base na introdução de uma nova moeda corrente para deter o crescimento galopante da inflação, o Rentenmark, lastreada no ouro.
12O austromarxismo pode ser visto como uma corrente intelectual heterogênea que se destacou entre os últimos anos do Império Austro-Húngaro e até a Primeira Guerra Mundial pelos estudos em diversas áreas do pensamento, apresentando do viés que combinava a análise marxista com elementos nacionalistas (ANDREUCCI, 1984).
13Cf. Hilferding, 1985, p. 283.
14Cf. List, 1986.
15Cf. Hilferding, 1985, p. 293.
16A Liga Espártaco era um grupo político que reunia além de Luxemburgo, Karl Liebknecht e Clara Zetkin, que congregava aqueles insatisfeitos com a postura socialdemocrata em relação à guerra, e que pendeu para o lado nacionalista e militarista. Por meio desta organização encabeçaram a tentativa de promover uma revolução na Alemanha.
17Cf. Luxemburgo, 1900.
18Cf. Teixeira, 2002.
19Cf. Singer, 1985.
20Cf. Luxemburgo, 1985, p. 311.
21Cf. Luxemburgo, 1985, p. 320.
22É possível verificar traços e influências do pensamento de Luxemburgo em autores do quilate de Kalecki, Sweezy e, o mais atual, Harvey.
23Cf. Teixeira, 2002.
24Cf. Kautsky, 2002, p. 471.
25Cf. Kautsky, 2002, p. 490.
26Cf. Kautsky, 2002, p. 462.
27É notória a influência de Bukharin na leitura que os teóricos do debate do mercado mundial fazem das relações internacionais.
28Cf. Bukharin, 1984, p. 17.
29Cf. Bukharin, 1984, p. 96.
30Cf. Bukharin, 1984, p. 66-67.
31Mais especificamente o questionamento veio em forma de um documento que ficou conhecido como Teses de Abril, no qual ele concretiza suas ideias e coloca diretivas para o movimento revolucionário, as quais podem ser resumidas na tríada: paz, pão e terra.
32A reunião das anotações de todo este material preparatório, analisada de 1912 a 1916, está em diversos rascunhos que, reunidos, ficaram conhecidos como Cadernos do Imperialismo.
33Cf. Lênin, 2012, p. 39.
34Cf. Andreucci, 1984.
35Cf. Lênin, 2012, p. 44.
36Cf. Lênin, 2012, p. 75.
37Cf. Lênin, 2012, p.127.
38Cf. Lênin, 2012, p. 168.