Trabalhadores informais requerem mais que o reconhecimento legal, por Mariana Prandini Assis

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BRASÍLIA – Durante a pandemia do COVID-19, os governos latino-americanos deram um passo inédito de incluir os trabalhadores informais na legislação de auxílio emergencial. Os trabalhadores informais representam uma parcela significativa da população economicamente ativa dos países latino-americanos, variando de 23,9% no Uruguai a 82,6% em Honduras, e estão entre os mais afetados pela pandemia. Sua inclusão na resposta à pandemia parecia assim um prenúncio de progresso. No entanto, em uma inspeção mais detalhada, a medida destacou as indesejadas consequências de não consultar os mais afetados pela legislação antes de ela ser promulgada.

O reconhecimento legal dos trabalhadores informais não é apenas simbolicamente importante: ele tem implicações materiais significativas. Historicamente, o status dos trabalhadores informais os tornou invisíveis para o Estado na América Latina. Por não terem sido definidos como empregados de acordo com as leis trabalhistas, não eram elegíveis para proteção social por meio do emprego. Além disso, eles não são pobres o suficiente para se qualificar para a assistência social.

As medidas de apoio da pandemia, adotadas por muitos países latino-americanos, eliminaram essa posição de “meio termo”. Uma pesquisa divulgada neste verão pelo programa de leis Women in Informal Employment: Globalizing and Organizing (WIEGO), ou Mulheres no Emprego Informal: Globalizar e Organizar, mostrou que de 16 países latino-americanos, dez claramente reconheceram os trabalhadores informais como sujeitos legais em leis de auxílio de emergência que instituem programas de transferência de dinheiro.

Contudo, apesar do reconhecimento legal formal, muitos desses trabalhadores não puderam se beneficiar. Em todo o mundo os empregados na economia informal têm enfrentado dificuldades para acessar as medidas de auxílio da COVID-19. Muitos não tinham informações sobre os programas e muitos não conseguiam administrar os complicados requisitos burocráticos. Os membros desse grupo por vezes não tinham os recursos materiais necessários para participar dos esquemas, como documentação adequada, uma conta bancária ou um telefone celular que pudesse baixar aplicativos ou se conectar à internet. Tal é o problema agudo na América Latina.

Na Cidade do México, as autoridades municipais instituíram transferências de dinheiro para trabalhadores não assalariados, mas os vendedores informais relataram não ter acesso ao benefício. Para pagar itens essenciais, como comida e aluguel, eles usaram suas economias ou pediram dinheiro emprestado de familiares e amigos. No Peru, onde houve a maior iniciativa de transferência de renda da região, foi criado um programa específico para beneficiar os trabalhadores independentes e, ainda assim, em Lima, a capital, apenas 50% dos trabalhadores do setor informal relataram ter recebido ajuda de emergência. Os trabalhadores citaram problemas com registro e corrupção ou favoritismo político como razões para sua incapacidade de participar do programa.

Na Argentina, quando os trabalhadores informais enfrentaram várias barreiras para receber o auxílio de emergência, as organizações de vendedores intervieram para orientar os trabalhadores durante o processo e para distribuir alimentos para aqueles que não podiam ter acesso aos benefícios. Este exemplo é um dos muitos em que trabalhadores auto-organizados ativaram redes de ajuda mútua e solidariedade para preencher as lacunas na política estatal ou construir modelos alternativos de apoio e cuidado.

Apesar disso, além de demonstrar a resiliência e a criatividade das organizações de trabalhadores informais, esses casos revelam que o reconhecimento legal formal por si só não é suficiente. Na elaboração de legislação que dá direito a medidas de socorro às pessoas, como transferências de dinheiro, os legisladores devem estar atentos às barreiras estruturais que limitam o acesso a esses benefícios. As respostas jurídicas devem ser baseadas nas realidades locais.

Na maioria dos países, a WIEGO constatou que a estrutura legal usava tecnologia para acelerar e ampliar o acesso. No Paraguai, os beneficiários podem se inscrever para os benefícios por meio de um site, por uma linha direta e pelo aplicativo WhatsApp. Da mesma forma, o programa do Brasil exigia registro por meio de seu site oficial ou por um aplicativo móvel. No entanto, nenhum desses esquemas buscou uma maneira significativa de superar as desigualdades estruturais subjacentes que definem os meios de subsistência dos trabalhadores informais e oferecem uma maneira prática de receberem o apoio fornecido pela lei. Os trabalhadores enfrentaram barreiras relacionadas à falta de educação e ao acesso a recursos. Porém, fundamentalmente, o design dos sistemas criou obstáculos administrativos, como requisitos de identidade, a posse de uma conta bancária ou a inscrição em bancos de dados nacionais de assistência social.

Os legisladores merecem crédito por reconhecer os trabalhadores informais e por dar um passo importante para garantir sua inclusão socioeconômica. No entanto, ao formular políticas de proteção social, eles têm o dever de considerar a implementação prática. Reduzir as barreiras do acesso e fazer os sistemas funcionarem para as pessoas que deles precisam é fundamental para garantir que os trabalhadores informais se beneficiem do reconhecimento legal.

Uma abordagem simples mas transformadora pode ajudar a identificar lacunas na formulação e na implementação de leis: a inclusão dos mais afetados no processo legislativo. Para o caso das medidas de proteção social para os trabalhadores informais, isso significa engajar-se com suas organizações e representantes. Esses defensores podem garantir que as necessidades, interesses e condições de vida dos trabalhadores informais sejam levados em consideração ao formular políticas que afetarão seus meios de subsistência. Somente com essa contribuição o reconhecimento legal será capaz de cumprir seu propósito pretendido de fornecer proteção social.

Foto: Tânia Rego/ Agência Brasil

Mariana Prandini Assis, advogada brasileira de direitos humanos, é membro do instituto Aspen New Voices e professora assistente da Universidade Federal de Goiás.

Direitos autorais: Project Syndicate, 2021.

www.project-syndicate.org

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