No último dia 17 de Julho, o presidente Vladimir Putin promoveu exercícios militares envolvendo 150.000 pessoas e centenas de aeronaves e embarcações navais para garantir a “segurança no sudoeste russo”, segundo o Ministério da Defesa do País.
Dias antes deste exercício, no início do mês de Julho, foi aprovado um pacote de emendas constitucionais que agora permitem Putin se manter no poder presidencial até 2036. Logo após esta aprovação, Putin declarou:
“Não podemos esquecer uma coisa: a partir de uma perspectiva histórica, faz pouco tempo que ocorreu a dissolução da União Soviética […] Ainda somos vulneráveis de muitas formas […] Precisamos de estabilidade doméstica e tempo para fortalecer o país e todas suas instituições.”
A vulnerabilidade a qual Putin se refere estende-se e complementa-se ao nível internacional. A dissolução da União Soviética e os avanços da OTAN sobre o leste europeu e até sobre o Cáucaso, regiões consideradas de influência russa, repercutem em Moscou até os dias de hoje, e certamente perdurarão durante todo o século. Através desta lente histórica pode-se compreender melhor o que significam os últimos exercícios militares executados pela Rússia.
Esta breve análise tratará sobre a contextualização de um dos objetivos específicos deste exercício militar russo, que diz respeito à demonstração de força na região do Leste Europeu, especialmente na Ucrânia. A segundo momento, em uma outra análise, será realizada a contextualização dos interesses russos no Cáucaso, os quais também motivaram o exercício militar em questão.
Cerco no Leste Europeu: O Caso da Ucrânia e do Mar Negro
Os últimos exercícios militares russos, que envolveram mais de 400 aviões de combate e 100 navios, mobilizaram tropas sobretudo no Mar Negro e no Mar Cáspio. O primeiro possui grande relevância aos russos no que tange o acesso a mares de águas quentes. Da mesma forma, é uma via fluvial de extrema relevância para o comércio marítimo e estabilidade para a Europa.
Como resposta às operações militares russas, sua vizinha Ucrânia, antiga república soviética, alertou que também irá conduzir exercícios bélicos na região, conclamando a OTAN, bloco ocidental político-securitário, a participar do movimento. Isto pois o Mar Negro também possui grande relevância para a segurança e para a economia ucraniana.
É preciso entender que as relações entre Moscou e Kiev têm sido tensas desde 2014. Neste ano a Rússia anexou a Crimeia após um referendo questionado pelo Ocidente, iniciando também um movimento de auxílio a separatistas no leste ucraniano.
O movimento de Moscou em 2014 consistiu no ápice de um tensionamento entre os russos, os norte-americanos e a OTAN, motivados pela percepção do governo Putin de consolidação de uma estratégia econômica e geopolítica de contenção e cerco ocidental à Rússia.
Visando não mais tolerar perda de influência regional para o Ocidente em sua periferia ex-soviética – região que considera estratégica à seu país – o Kremlin agiu com maior assertividade, em um momento em que o presidente ucraniano pró russo Viktor Yanukovych foi deposto do governo de Kiev. Assim, diante da ameaça de uma Ucrânia hostil aos interesses de Moscou e favorável à um alinhamento da OTAN, que poderia bloquear o acesso russo ao Mar Negro, o governo Putin em março de 2014 anexou a Crimeia, península que abriga uma importante base naval russa.
A partir de então, amplos pacotes de sanções econômico-politicas foram capitaneadas pelos Estados Unidos sobre a Rússia, com as quais esta passou, a partir de 2015, a se aproximar de Pequim como fonte de financiamento de capital e tecnologias agora inacessíveis de seus parceiros ocidentais. Ainda, o desenrolar dos fatos levou a uma escalada de disposição de forças militares no leste europeu.
A sensação russa de contenção ocidental, assim, não cessou mesmo com a chegada de Trump ao poder nos Estados Unidos, país que consiste no principal financiador da OTAN. Apesar de Trump ser abertamente hostil em relação aos gastos norte-americanos desproporcionais em relação aos seus parceiros europeus, e crítico da viabilidade e relevância da OTAN, até agora visualizou-se um reforço dos compromissos securitários estadunidenses no continente, que tornam-se cada vez mais ameaçadores à Rússia.
Neste sentido, a atual administração dos EUA ampliou os investimentos de longo prazo na OTAN, solicitando ao Congresso em 2018 um orçamento de US$ 4,8 bilhões para a Iniciativa de Deterrência Europeia, um programa criado em 2014 por Obama visando a maior presença norte americana na Europa para deter a assertividade russa na Ucrânia. Comparado a 2017, houve um acréscimo de US$ 1,4 bilhões no orçamento. Para este mesmo programa, no ano de 2018, Trump assinou uma lei aumentando o valor da Iniciativa de US$ 4,8 bilhões para US$ 6,5 bilhões.
Estes investimentos aumentaram a capacidade de mobilização de tropas e infraestrutura militar da OTAN nos países do Báltico, na Polônia, Bulgária e Romênia, todas regiões de ex-influência soviética. A administração Trump também reforçou seu compromisso com o sistema antibalístico da OTAN, e em 2018 participou de um exercício militar na Noruega dispondo de uma equipe de 20.000 homens, o maior exercício militar da OTAN desde 2015. O Comando dos EUA na Europa (EUCOM), no final de 2017, reforçou seu compromisso histórico de defesa e proteção dos membros da OTAN contra competidores estadunidenses, que incluíam a Rússia.
Destaca-se também que Washington desde 2015 passou a auxiliar a Ucrânia na modernização e reconstrução de sua frota naval, já que 80% de seus navios foram capturados pela Rússia quando Moscou anexou a península da Crimeia.
Do mesmo modo, a OTAN planejava iniciar, neste ano, o Defender-Europe20, um treinamento de militares considerado o maior dos últimos 25 anos, visando construir prontidão estratégica na Polônia e nos países bálticos (Estônia, Letônia, Lituânia) contra qualquer eventual ameaça. Inicialmente objetivando mover milhares de tropas e equipamentos pesados, tais exercícios foram reduzidos por conta da pandemia do COVID-19. Moscou contrariou fortemente a natureza do exercício ocidental, considerando-o um “ataque próximos às fronteiras russas”.
Não à toa, um dos principais exercícios russos conduzidos este mês envolviam a Frota Marítima Militar do país, que testou suas estratégias, conjuntamente com caças a partir da Crimeia, simulando um ataque de navios da OTAN entrando no Mar Negro através do estreito de Bósforo.
O contexto oferece, assim, uma breve entendimento das motivações russas de ter realizado, recentemente, o enorme exercício que envolveu 150.000 pessoas no sudoeste russo, na qual uma das regiões chaves do movimento foi o Mar Negro.
A demonstração de força sinaliza que a Rússia não mais se encontra em uma posição de extrema fragilidade econômica, como se encontrava logo após a dissolução soviética. Sobretudo, os exercícios militares russos passam a mensagem de que, com a possibilidade de Putin continuar no poder por mais 16 anos, Moscou estará pronta para responder militarmente quaisquer agressões em suas regiões de interesse estratégico.
A estabilidade que Putin relatou estar buscando, logo após ter vencido o plebiscito que incluía sua extensão de mandatário, será buscada, assim, tanto domesticamente quanto externamente. E a demonstração de força militar é um dos caminhos que a Rússia acredita servir ao propósito.
Foto: Aleksey Nikolskyi/ Reuters
Matheus Ibelli Bianco é aluno de mestrado do Programa de Pós-graduação em Estudos Estratégicos Internacionais (PPGEEI-UFRGS). Integrante do Núcleo de Estudos dos BRICS (NEBRICS-UFRGA) (matheusibellib@gmail.com).
Referências:
Al Jazeera: Putin orders huge snap military drills in Russia’s southwest
The Defense Post: Russia’s Putin Orders Massive Snap Military Drills
Newsweek – Russia Says ‘We Will Do What We Want’ If U.S. Moves Troops Closer to Border
The Jamestown Foundation – Russia Tests Combat Readiness Despite Pandemic
Reuters: – Ukraine to stage exercises to coincide with Russian manoeuvres
OTAN – Defense Expenditure