Quando um projeto desenvolve novas tecnologias, dura mais de 30 anos e é executado por dois países completamente diferentes localizados em pontos opostos do planeta, uma “comunidade de futuro comum” é criada. Este é o caso do CBERS, o programa Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres (em inglês ‘China-Brazil Earth Resources Satellite’, ou na sigla ‘CBERS’) que recentemente colocou seu sexto satélite de sensoreamento remoto em órbita.
Apesar das diferentes trajetórias de desenvolvimento – o Brasil se equilibrando em seus pêndulos políticos e econômicos enquanto a China segue em linha reta na corrida econômica e tecnológica – ambos os países superaram as dificuldades em alcançar seus objetivos tecnológicos.
Esta é uma cooperação mutuamente benéfica e de grandes investimentos. O projeto começou com 70 por cento de fundos chineses e o resto provido pelo Brasil. Agora os dois países detêm parcelas iguais de 50 por cento no projeto.
O programa CBERS foi avaliado em $150 milhões de dólares para o desenvolvimento, a construção e o lançamento dos dois primeiros satélites. Cada satélite custa cerca de $50 milhões. Até o CBERS-4 ser lançado, o montante de recursos financeiros e tecnológicos de Brasil e China foi de cerca de $300 milhões.
Um dos grandes resultados do projeto é a capacidade construtiva e os recursos humanos desenvolvidos na área .Antônio Carlos Pereira, líder brasileiro do programa CBERS, contou ao jornal Global Times que, “A parceria espacial com a China é bastante ampla, incluindo o desenvolvimento conjunto de satélites, o intercâmbio de pesquisadores e estudantes, e as parcerias de pesquisa nas áreas de ciência espacial e de ionosfera.”
O setor espacial no Brasil se beneficiou do programa CBERS, gerando uma série de empresas privadas destinadas a criação de soluções para satélites. O setor aeroespacial no Brasil criou mais de 22 mil empregos de alta qualidade e mais do que $6,5 bilhões em exportações de alto valor agregado para o país.
Célio Costa Vaz da Orbital Engineering, uma empresa produzindo geradores solares para satélites, disse que, “A China é o maior parceiro comercial do Brasil e o CBERS é o exemplo mais bem-sucedido de cooperação Sul-Sul em alta tecnologia. O mais importante fruto do programa foi o desenvolvimento da capacidade de montar e integrar grandes satélites, assim como o incentivo para o complexo de inovação nacional em uma indústria de alta tecnologia como a espacial, que poucos países conseguem implementar. Mesmo assim o programa precisará de alguns ajustes, como a redefinição da missão e o avanço para a nova era de micro e nano satélites.”
A questão mais importante é: como expandir e multiplicar essa experiência de sucesso na região?
Viajando para as estrelas
Professores chineses na Universidade de Renmin entenderam o economista argentino Raul Prebisch. Meio século atrás, Prebisch escreveu sobre a deterioração em termos comerciais das transações de commodities e comida por produtos industrializados.
Ele afirmou que uma das características do progresso técnico era que este não penetrava igualmente em todas as atividades, o que era de considerável importância para as diferenças estruturais entre processos de desenvolvimentos nacionais ao redor do mundo.
Ainda hoje, o núcleo das relações bilaterais entre a China e a maioria dos países sulamericanos está concentrado na exportação de recursos e a importação de tecnologias. Há clareza no fato de que a América Latina permanece como uma fornecedora de produtos primários, o que deve ser mudado, e existe espaço para cooperação em muitos outros campos.
Por exemplo, o CBERS no Brasil é gerido pelo Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE). O INPE está localizado em São José dos Campos, em São Paulo, um dos centros da empresa aeronáutica EMBRAER e outras importantes indústrias de defesa.
Por outro lado, o INPE foi o centro de testes para a série de satélites argentinos SAC. A série foi desenvolvida pela INVAP, a empresa estatal argentina de alta tecnologia trabalha com projetos de serviços nucleares, aeroespaciais, químicos, médicos, de petróleo e de atendimento ao governo.
Foi assim até a Argentina construir seu próprio Centro de Testes de Alta Tecnologia Sociedade Anônima (‘CEATSA’ em Espanhol) em 2011 para desenvolver a série de satélites ARSAT. Este setor será uma prioridade para o novo governo, visto que o Presidente Alberto Fernández reestabeleceu o Ministério de Ciência e Tecnologia com o objetivo de aumentar os investimentos no setor produtivo do país.
Emmanuel Guerra, um diplomata do Ministério de Relações Exteriores da Argentina, disse que, “A cooperação nas áreas nuclear e espacial tem sido substanciais e relevantes para a Argentina. Na área espacial, há dois projetos de maior escala: a estação espacial para a observação do espaço sideral instalada na província de Neuqúen, que já está operacional, e o telescópio rádio em construção em San Juan. Na área nuclear, um projeto de usina nuclear a ser construído com tecnologia chinesa [Hualong-1] está em negociação. Não se sabe qual será a abordagem da nova administração a estes novos projetos, mas se espera que a China continue a desempenhar um papel central nestas áreas.”
Impulsionando o crescimento
Existe um espaço significante para a cooperação com a Argentina, mesmo que seja necessário encontrar mais áreas em comum para os desenvolvimentos conjuntos de pesquisa e tecnologia.
Em adição, a energia nuclear argentina é importante para a região. Em 2015, a Argentina negociou a construção de duas usinas nucleares com a China.
O país sulamericano negociou financiamento chinês para uma usina nuclear de urânio natural e água pesada, na qual podia usar 70 por cento de tecnologia argentina.
A China propôs a instalação de um reator térmico que usa urânio enriquecido com tecnologia própria. No entanto, a Argentina teve de lidar com a oposição de Washington à instalação de usinas nucleares chinesas.
O governo argentino sinalizou o possível cancelamento destes projetos durante a visita de Trump a Buenos Aires em 2018. A última comunicação do governo anterior foi a decisão de construir uma usina nuclear com tecnologia chinesa.
A construção de duas usinas, uma com tecnologia argentina e a outra com tecnologia chinesa, teria permitido ao país sulamericano continuar crescendo em produção de energia. Quando os projetos geram demandas tecnológicas da indústria nacional, trazem mais benefícios ao país. É bastante possível que as usinas nucleares sejam rediscutidas e que finalmente a Argentina siga com a cooperação nuclear mutuamente benéfica com a China.
A Argentina, em particular, precisará de investimentos e inovação em produção de energia, posto que o país tem um significativo déficit energético.
O desenvolvimento de energia tradicional e verde encontrará novas oportunidades no país. A energia é uma condição primária para o desenvolvimento econômico e social e um grande obstáculo para países em desenvolvimento.
A Argentina e o Brasil têm recursos energéticos, investimentos e o desenvolvimento tecnológico é necessário para fazer uso deles de uma forma sustentável.
Discussões atuais na América do Sul estão centradas em como equilibrar um modelo produtivo baseado em agregar valor a recursos naturais de forma sustentável e favorável ao meio ambiente.
Com altos e baixos, tradições em aviação, tecnologias nucleares e em satélites carregam o potencial para expandir a cooperação na América do Sul.
Para conseguir mais resultados da cooperação e explorar novos campos entre a China e a América Latina, nós precisamos entender uns aos outros. As ciências sociais e em particular uma nova discussão sobre desenvolvimento são necessárias para construir uma nova ordem internacional para o século XXI.
A experiência chinesa em desenvolvimento e inovação tecnológicas é um bom exemplo.
Um desenvolvimento mais equilibrado no mundo não é apenas possível, mas condição sem a qual não é possível criar uma comunidade de futuro comum para a humanidade.
Foto: Telescópio construído no condado de Pingtang County, na província de Guizhou, na China. Xinhua News Agency
Fonte: Global Times
Publicado em: 16/01/2020
Maria Jose Haro Sly é socióloga, nascida na Argentina. Mestre em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina e mestranda em Estudos Contemporâneos da China pela Escola da Rota da Seda, da Renmin University of China.