CAMBRIDGE – O último esforço da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP26) para manter o aquecimento global abaixo de 1,5°C, em relação aos níveis pré-industriais, estava destinado ao fracasso, independentemente de quantos chefes de estado e líderes empresariais fossem até Glasgow. Para que o mundo atinja uma meta mínima de 2ºC, é necessária uma colaboração entre os Estados Unidos e a China.
A mudança climática representa uma oportunidade única para os dois países cooperarem, e o anúncio surpresa de um plano para trabalhar juntos na redução das emissões de metano gera uma certa esperança. Todavia, o ambiente geopolítico atual faz manobras contra uma grande cooperação.
Para se ter ao menos uma chance de alcançar os objetivos do Acordo de Paris, o mundo deve reduzir o consumo de carvão, petróleo e gás a quase zero na próxima década, o que implica que a maioria das reservas de combustível fóssil disponíveis não devem ser retiradas do solo. Não obstante, tal resultado não é provável de ser obtido, apesar de todas as promessas recentes de descarbonização.
A China, por exemplo, ainda está investindo em novas usinas a carvão e construiu mais de uma por semana durante 2020. A Índia quase dobrou seu consumo de carvão na última década, embora recuse comprometer-se com uma meta significativa de emissões nulas. Por sua vez, a Rússia quase não toma atitudes, alegando que suas florestas, tundra e pântanos absorverão carbono suficiente para torná-la neutra em carbono até 2060.
Os EUA também não estão à altura do desafio e não podem contar com a mesma desculpa da Índia – ou mesmo da China. O país pode se dar ao luxo de investir muito mais em energias renováveis e apoiar uma ampla transição global por tecnologias mais limpas. Contudo, os EUA ainda estão subsidiando a indústria de combustíveis fósseis em vez de taxar as emissões de carbono e regulamentar as grandes empresas de energia que arcam com a maior parte da culpa pelo problema. (Dito isso, Irã, Rússia, Brasil, China e Índia são infratores ainda piores quando se trata de subsídios aos combustíveis fósseis.)
Para reduzir as emissões e interromper a extração e combustão das reservas existentes de carvão, petróleo e gás, não há substituto para um imposto global sobre o carbono e o apoio sustentado para o desenvolvimento de tecnologias verdes. A União Europeia deu o primeiro passo em direção a um imposto global sobre o carbono ao propor não apenas um imposto doméstico sobre os combustíveis fósseis, mas também um mecanismo de ajuste de fronteira de carbono (tarifa).
De modo que o imposto sobre o carbono tenha um impacto significativo, ele precisará ter um preço suficientemente alto a ser definido. No momento, os impostos sobre o carbono na UE variam de 116 euros (134 dólares) por tonelada métrica de dióxido de carbono na Suécia a menos de 0,10 euros por tonelada na Polônia, sem nenhum imposto sobre o carbono em algumas economias importantes, como na Itália. Porém, mesmo com um forte regime de impostos e tarifas do carbono da Europa, seria ainda necessário que os EUA e a China adotassem e aplicassem políticas semelhantes para manter a mudança climática sob controle.
Desafios existenciais por vezes unem os países: os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e a União Soviética uniram forças para derrotar a Alemanha e o Japão durante a Segunda Guerra Mundial. Ainda, apesar das profundas divergências, europeus e americanos se uniram para enfrentar a ameaça soviética do pós-guerra. Seria possível os EUA e a China trabalharem em colaboração para combater as mudanças climáticas? Talvez, mas apenas se houver pressão pública para que isso seja feito em ambos os países.
À primeira vista, isso parece improvável. O sistema político dos EUA continua altamente vulnerável à pressão das grandes companhias petrolíferas, as quais estão fazendo todo o possível para bloquear ou retardar ações significativas, ao mesmo tempo em que se apropriam de virtudes ambientalistas para ganhar tempo. Além disso, a administração do presidente dos EUA Joe Biden, compreensivelmente, está focada em enfrentar os grandes desafios internos relacionados à infraestrutura, pobreza, desigualdade e polarização antes das eleições de meio de mandato do próximo ano, no momento em que o Partido Democrata pode perder sua maioria no Congresso.
Enquanto isso, o sexto plenário do Partido Comunista da China acaba de ser iniciado em Pequim, onde o foco será a consolidação do governo do presidente Xi Jinping e o domínio do partido sobre a população. A liderança chinesa tem ciência que deve manter um controle rígido sobre os dados e a mídia, ao mesmo tempo em que oferece crescimento econômico suficiente para evitar o descontentamento da crescente classe média do país.
Como consequência, a mudança climática não é uma prioridade imediata para o partido, assim como um imposto global sobre o carbono seria um grande impedimento para seus objetivos principais, pois eliminaria uma importante fonte de vantagem de custo das exportações chinesas: carvão barato. Da mesma forma, isso forçaria uma reestruturação econômica longe dos combustíveis fósseis muito mais rápida do que a liderança atual gostaria.
Portanto, a despeito do recente anúncio promissor dos dois países sobre o metano, não podemos contar com as elites políticas dos EUA ou da China para dar alta prioridade às mudanças climáticas.
Por certo, não precisamos fazê-lo. Em ambos os países, há uma expressiva demanda pública por políticas climáticas significativas. Cerca de 70% dos americanos admitem que o aquecimento global está acontecendo e apoiariam um imposto sobre o carbono nas empresas de combustíveis fósseis, assim como 86% gostaria de mais financiamento para inovação em energias renováveis. Até mesmo as propostas mais ambiciosas do “Green New Deal” dos democratas progressistas são populares entre os eleitores.
Há também uma demanda por políticas climáticas mais fortes na China (não obstante as representações exageradas da mídia ocidental sobre uma população dócil que é totalmente subserviente ao Partido). Ainda mesmo enquanto o partido preside uma das campanhas mais intrusivas de manipulação e repressão da mídia na história, ele deve levar o sentimento público em consideração. Ar puro e outras preocupações ambientais são questões políticas polêmicas na China, tendo em vista a tradição de ativismo climático do país.
A experiência europeia mostrou que esse ativismo pode ser muito influente. Embora a polarização e outras prioridades políticas tenham tirado importância das preocupações com o clima nos EUA, isso poderia mudar facilmente uma vez que alguns desses itens fossem retirados da lista (como pode acontecer com a infraestrutura de Biden e os planos “Build Back Better” projeto pela reconstrução dos EUA em termos de trabalho, economia e objetivos climáticos).
Na China, é difícil prever como as autoridades responderão ao ativismo climático. Eles podem tentar suprimi-lo, mas, em última análise, Xi precisa de um certo nível de apoio público para manter seu controle sobre o Partido Comunista Chinês (mesmo que tenha conseguido afastar muitas facções rivais). Ele sabe que sua legitimidade – para não mencionar seu legado – pode depender de sua capacidade de responder com eficácia às crescentes preocupações com o clima e o meio ambiente.
A cooperação climática significativa entre os EUA e a China produziria grandes benefícios indiretos em cadeia, reduzindo as tensões em outras áreas como no comércio ou na situação de Taiwan. Assim como a Guerra Fria impulsionou a cooperação entre as potências americanas e europeias, a crise climática ainda pode levar a relações sino-americanas menos hostis. O resultado não dependerá de acordos de bastidores em Glasgow, mas sim de os líderes chineses e americanos sentirem a pressão pública para seguir nessa direção.
Foto: reunião entre Biden e Xi Jinping, em novembro. Crédito: U.S. Department of State
Daron Acemoglu, professor de economia do MIT, é co-autor (com James A. Robinson) de Por Que as Nações Fracassam: As origens do poder, da prosperidade e da pobreza e The Narrow Corridor: States, Societies, and the Fate of Liberty.
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