A Argentina submeteu sua primeira oferta no início de abril. Após quatro meses de tensas negociações chegou-se a um acordo com os grupos credores da dívida (Grupo ad hoc de detentores de títulos argentinos, Comitê de Credores da Argentina e Grupo de Detentores de Títulos da Bolsa de Valores), o que garantirá um alívio financeiro importante nos próximos anos.
A proposta de reestruturação é para 21 títulos em moeda estrangeira, totalizando U$S 66 bilhões, emitidos sob lei internacional, principalmente em Nova York. Tal proposta caracteriza-se por obter um prazo de carência para os próximos anos, por reduzir pela metade as taxas de juros dos títulos e – seu ponto mais fraco – por não diminuir em nada o principal da dívida. Isso reduzirá os cupons de juros dos novos títulos a taxa média de 3,07%, enquanto a dívida anterior pagava perto de 7%. Melhor, porém continuam sendo taxas de juros mais altas que o padrão internacional. Com essa troca, a Argentina terá vencimentos de U$S 4,5 bilhões para esses títulos nos próximos quatro anos, ao invés dos originais U$S 30,2 bilhões.
No curto prazo, essa negociação foi interessante, mas a longo prazo o problema não foi resolvido. Isso joga o peso da dívida para o futuro, uma abordagem bem keynesiana. Concentra os maiores pagamentos nas próximas décadas. Contudo, os 66 bilhões são apenas uma parte do total de mais de 320 bilhões que o país deve. Em outras palavras, continua existindo um longo caminho a ser percorrido nas negociações.
O próximo passo é negociar com o FMI, que concedeu a Argentina o maior empréstimo de toda a história dessa instituição. Um empréstimo questionável já que o FMI emprestou 55 bilhões sem nenhuma condição do país pagar esse empréstimo. Mais do que isso, estudos apontam que 90% do empréstimo do FMI são fluxos de capital da Argentina, algo supostamente proibido pelo regulamento do próprio FMI, que diz no seu artigo 6º: “(…) um membro não deve usar os recursos gerais do Fundo para receber um grande e sustentável fluxo de capital (…)”.
Contudo, o problema com o FMI não é apenas a grande e questionável dívida, mas também a agenda econômica imposta pelo FMI que foi aplicada ao redor do mundo com resultados terríveis. Nenhum país do mundo desenvolvido iniciou sua trajetória de crescimento com uma agenda de ajustes estruturais. O programa econômico ortodoxo apresentado como a “única alternativa” falhou em todos os continentes.
A maior questão é: a Argentina manterá sua agenda de política econômica soberana longe das imposições do FMI? Esse país será capaz de, no curto prazo, reestruturar seu pobre setor produtivo para fazer frente a sua dívida a médio e longo prazo? A Argentina encontrará um caminho inclusivo de crescimento econômico sem ficar constrangida novamente pelos mercados financeiros? Como parar o ciclo de endividamento que condiciona o futuro desse país?
As mesmas políticas conduzirão aos mesmos resultados. O mundo precisa de um novo sistema financeiro centrado na economia real e na distribuição de riqueza – principalmente o mundo pós-pandemia.
Tradução: Bruno Roberto Dammski
Foto: Divulgação/ República da Argentina
Maria Jose Haro Sly é socióloga, nascida na Argentina. Mestre em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina e mestranda em Estudos Contemporâneos da China pela Escola da Rota da Seda, da Renmin University of China.
Pablo de las Heras é economista da Universidade de Buenos Aires.