Como surgiu o Euro, por Wagner Sousa

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SINOPSE

Este trabalho aborda a questão das relações franco-germânicas e da criação da moeda comum europeia. Para este intento, a análise foi feita com a perspectiva da economia política internacional. Entre os encontros de líderes europeus nas cidades holandesas de Hague e Maastricht, entre 1969 e 1992, a integração monetária europeia desenvolveu-se com o Plano Werner, a “Serpente”, o Sistema Monetário Europeu e finalmente pela decisão de criação da moeda comum, após a reunificação alemã. Preocupações geopolíticas e geoeconômicas influenciaram esta questão, materializadas no regime de câmbio flutuante, com liberalização dos movimentos de capital, somados às relações entre as superpotências na Guerra Fria, com suas tensões e distensões. O objetivo também é demonstrar a frágil base que sustenta o projeto da moeda comum.

Palavras-chave: União Europeia; relações franco-germânicas; moeda comum; integração regional.

1  INTRODUÇÃO

Este artigo tem o intuito de analisar o processo político que redundou na criação da moeda comum europeia, prevista para 1999, pelo Tratado de Maastricht, válido a partir de 1993. Para tanto, buscou compreender a inter-relação entre os aspectos econômicos e políticos envolvendo a questão. Não há como se interpretar adequadamente este problema sem uma releitura histórica e o devido entendimento dos projetos de poder dos atores principais, França e Alemanha, e de suas capacidades e vulnerabilidades no contexto geopolítico da Guerra Fria. A estrutura da economia global, com suas regras e instituições, determinadas pelo poder hegemônico, os Estados Unidos, sofreu, em vários momentos, alterações importantes, e a estas os europeus responderam defensivamente, procurando adaptar-se à nova realidade. O euro é o ponto final desta caminhada de pouco mais de duas décadas. Sua especificidade histórica e suas fragilidades podem, no entanto, redundar no início de um novo caminho.

2  DO ENCONTRO EM HAGUE AO FIM DA ERA DE BRETTON WOODS

As discussões entre os Estados Nacionais europeus para a criação de uma moeda regional comum têm seu início em fins da década de 1960.[2] Dois movimentos simultâneos embasaram, naquele momento, esta iniciativa. O primeiro movimento está relacionado ao processo que levou ao fim da estrutura de finanças globais reguladas, pactuadas nos acordos de Bretton Woods, no imediato pós-guerra. Depois de mais de vinte anos de estabilidade, o sistema de taxas de câmbio (fixas, mas ajustáveis) entre os países centrais, que tinha o dólar como moeda de referência, começara a ruir. As crescentes mudanças nas operações do setor financeiro, que buscavam mais liberdade para os movimentos de capital e lucros financeiros, e a alteração da posição comercial e de conta corrente dos Estados Unidos, que se deteriorou no período, começaram a comprometer a existência do padrão dólar-ouro. Tal situação gerou grande instabilidade nos mercados financeiros. A partir de então, a oscilação cambial iniciada em 1968 aumentara os riscos inflacionários e se tornara séria ameaça à Política Agrícola Comum (PAC), um dos pilares da Comunidade Econômica Europeia (CEE). Discutiu-se, a partir desta nova realidade, maior coordenação entre os bancos centrais dos então seis componentes da CEE como defesa aos efeitos da instabilidade cambial. O segundo movimento dá-se a partir do ressurgimento da Alemanha como economia de destaque na Europa Ocidental e que, em virtude do sucesso desta sua recuperação e dos constrangimentos herdados de sua condição de país ocupado no pós- guerra, buscava mais espaço para ação de sua política exterior.

A “arquitetura monetária” do pós-guerra, de estrita cooperação entre Estados Unidos, centro hegemônico, e a Europa Ocidental (e também o Japão) se deu no contexto da Guerra Fria. A aliança transatlântica se compôs, em essência, como bloco anticomunista. Países como França e Itália tinham fortes partidos comunistas, e havia, portanto, temor de revolução socialista nestes. Os assuntos monetários das nações da Europa Ocidental eram considerados “assuntos transatlânticos”, ou seja, as questões monetárias não deveriam ser vistas como europeias, mas como questões que envolveriam necessariamente cooperação entre Estados Unidos e Europa Ocidental. Os operadores do sistema no Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco de Compensações Internacionais (Bank for International Settlements – BIS), Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e em outros organismos tinham forte identidade transatlântica em relação ao sistema financeiro internacional, e a ordem política defendida com a presença militar dos Estados Unidos em território europeu dava coesão à ordem monetária. Esse forte entrelaçamento político foi base de período de grande prosperidade para as economias industrializadas. Conforme Gilpin,o sistema de taxas de câmbio fixas durou ainda algum tempo porque ele continuava sustentado por base política sólida. Essencialmente, para usar expressão de Cohen, houvera uma “barganha implícita” entre os três polos dominantes da economia internacional: os Estados Unidos, a Europa Ocidental e, em menor grau, o Japão (Cohen, 1977, p. 97). Em parte, por razões econômicas, mas sobretudo por motivos estratégicos, a Europa Ocidental (principalmente a República Federal Alemã) e o Japão concordaram em financiar o deficit de pagamentos americano (Gilpin, 2002, p. 157). O mesmo autor faz na sequência citação de Cohen para complementar o raciocínio:

os aliados dos Estados Unidos concordaram com um sistema hegemônico que dava àquele país privilégios especiais, autorizando-o a agir unilateralmente fora das suas fronteiras para promover seus interesses. De seu lado, os Estados Unidos concordavam com o uso do sistema pelos aliados para promover a sua própria prosperidade econômica, mesmo que fosse em grande parte à custa dos Estados Unidos (Gilpin, 2002, p. 157).

Na segunda metade da década de 1960, o sistema financeiro internacional, como concebido em Bretton Woods, começa a ser percebido pelos Estados Unidos, “garantidor” do sistema, como inadequado aos seus interesses nacionais. Europeus e japoneses, por sua vez, embora não advogassem o fim do sistema, consideravam que os Estados Unidos abusavam do poder político e econômico conferido pelo primado do dólar. A liberdade americana para imprimir dólares e financiar a Guerra do Vietnã, comprar empresas estrangeiras e manter programas como a Great Society de Lyndon Johnson gerava críticas, como as do presidente francês Charles de Gaulle, que reclamava de “privilégio exorbitante” dos Estados Unidos. A política fiscal americana expansionista da década de 1960 também era bastante criticada. Estes críticos argumentavam que as tendências inflacionárias não foram percebidas em 1966 e que os tributos, a despeito dos crescentes gastos com a Guerra do Vietnã e com as políticas de bem-estar social da Great Society,não foram majorados, o que teria feito da política fiscal um elemento de desestabilização da economia (Dickhaus, 2004, p. 359).

Como colocado, do ponto de vista americano, o sistema também tinha problemas. Apesar de seus privilégios, os Estados Unidos, no padrão dólar-ouro, não poderiam desvalorizar sua moeda; qualquer desvalorização para melhorar a competitividade do país redundaria na desconfiança dos agentes econômicos na sua capacidade de emissor da moeda-reserva mundial em manter o sistema em instabilidade nos mercados financeiros. A recuperação da força econômica dos aliados e de sua competitividade colocava-se também como desafio aos Estados Unidos. Em 1971, havia um grande desequilíbrio entre a taxa de câmbio americana e a de seus parceiros comerciais. Como salienta Serrano,

de um lado, o próprio sucesso da estratégia americana de reconstrução e desenvolvimento dos demais países capitalistas (inclusive aceitando desvalorizações cambiais de outros países) estava reduzindo progressivamente os superavit comerciais e de conta corrente americanos. Mas para manter o papel de moeda internacional do dólar era necessário (…) evitar deficit na conta corrente. Ao mesmo tempo, a maneira mais simples de melhorar a competitividade externa americana seria mediante uma desvalorização do dólar. Mas como desvalorizar o dólar sem ameaçar o seu papel de moeda internacional? A Inglaterra à época do padrão ouro-libra havia enfrentado (e não conseguido resolver) problema semelhante, diante da dificuldade em conciliar o seu papel de moeda internacional (e a vantagem de não enfrentar restrição na balança de pagamentos) e, ao mesmo tempo, proteger sua competitividade real (Serrano, 2004, p. 196-197).

A partir dessa percepção e da reorientação da política econômica para um perfil mais nacionalista e bem menos cooperativo para com os seus aliados, o presidente Richard Nixon então suspende a conversibilidade do dólar em ouro, transformando o dólar na referência exclusiva do sistema monetário internacional e preservando a supremacia americana na finança internacional. Um sistema financeiro mais liberalizado era tido como importante para preservar a autonomia da política econômica dos Estados Unidos no longo prazo. Ainda que europeus e japoneses estivessem comprometidos em utilizar as negociações para a reforma do sistema monetário internacional para criar um sistema mais “simétrico”, era evidente que um sistema não negociado e orientado pelas leis de mercado preservaria a posição dominante americana na finança internacional. A posição do dólar como a moeda mundial, por exemplo, seria preservada e fortalecida num sistema financeiro internacional aberto porque os mercados financeiros dos Estados Unidos e do Eurodólar, em Londres, eram mais atrativos aos investidores públicos e privados. Não existiam tais mercados para tornar o marco alemão ou o iene uma atrativa moeda-reserva porque os mercados financeiros japonês e alemão eram, em comparação, menos desenvolvidos e mais regulados ( Helleiner, 1994, p.  113).

Pelo Acordo Smithsonian, de dezembro de 1971, o dólar sofre desvalorização de 10%. Em 1973, com a decisão, em março deste ano, de se adotar o sistema de taxas flutuantes, a “arquitetura financeira” de Bretton Woods chegava ao fim.

A nova estrutura financeira global, após o fim da vigência do padrão dólar-ouro, em 1971, com liberdade para os movimentos de capitais, fez com que se tornassem ineficientes os controles impostos pelos países individualmente para os crescentes fluxos especulativos. A estrutura liberal de comércio entre os países industrializados, combinada com a cooperação estreita para controle dos movimentos de capital e as paridades fixas entre as taxas de câmbio que perdurou até então, teve de enfrentar, neste momento, os efeitos desestabilizadores da especulação financeira. Não era mais possível para a Europa Ocidental resistir à flutuação das taxas de câmbio. Portanto, a crise no início da década de 1970 era causada pela crescente inadequação dos mecanismos de controle unilateral, por parte dos Estados, dos fluxos especulativos. Entre 1971 e 1973, os governos da Europa Ocidental tentaram reforçar os controles de capitais, sem sucesso. Foram, portanto, forçados a aderir à livre flutuação de suas moedas. Mesmo o Japão, país que detinha controles mais extensivos e que se provaram mais efetivos neste período, não resistiu às pressões dos movimentos especulativos e adotou a livre flutuação no início de 1973 (Helleiner, 1994, p. 103).

Além da compreensão das mudanças na economia política internacional neste período, o primeiro movimento citado, há que se compreender o segundo movimento, este relacionado ao contexto de Guerra Fria e aqui analisado na sua dimensão especificamente europeia, ligada essencialmente à posição da Alemanha no tabuleiro estratégico do continente e nas suas relações com o sócio principal no projeto de integração europeia, a França. O projeto europeu de integração, desde o seu início, com a Comunidade Europeia para o Carvão e o Aço, estabelecida pelo Tratado de Paris, em 1951, foi iniciativa franco-alemã. A aliança franco-germânica estaria no centro dos futuros desenvolvimentos da Comunidade Europeia, algo inédito e que substituía uma relação bilateral com longo histórico de conflitos (Milward, 2003, p. 407).

A manutenção da paz era (e continua sendo) o principal objetivo dessa parceria. Para os vencedores da Segunda Guerra Mundial, a “questão alemã” consistia em como controlar o ressurgimento alemão e como fazê-lo para fortalecer o bloco ocidental, comandado pelos Estados Unidos, em face do grupo socialista de países controlados pela União Soviética. A reconstrução da confiança entre as partes antes inimigas e acordos que garantiram benefícios mútuos foram parte da resposta. Em contraste com o ocorrido em Versalhes, após a Primeira Guerra Mundial, quando os alemães foram obrigados a pagar enormes reparações de guerra, a ideia era ter a Alemanha Ocidental como forte aliado anticomunista (Lübkemeier, 2000, p. 16-17). Portanto, do ponto de vista dos franceses, interessava que a Alemanha Ocidental se comprometesse com um sistema europeu ocidental de Estados Nacionais. À Alemanha, na visão de Konrad Adenauer, chanceler entre 1949 e 1963, o compromisso com a integração visava recuperar a credibilidade internacional de seu país, além de permitir alguma atuação em assuntos internacionais e garantir a segurança nacional. Em 1957, o Tratado de Roma criou a CEE, então com seis membros (Alemanha, Bélgica, França, Holanda, Itália e Luxemburgo). Foi estabelecido um mercado com tributação alfandegária externa comum. O Tratado de Roma, de 1957, foi negociado com maiores preocupações relativas à criação de uma área de livre comércio do que com a integração financeira. O tratado estabelecia, em seu art. 104, que a política econômica deveria manter: equilíbrio do balanço de pagamentos, confiança na moeda, alto nível de emprego e estabilidade de preços. Efetivamente, a política macroeconômica continuava sob a tutela dos Estados membros. O contexto da época não era favorável a medidas de abertura financeira: a Segunda Guerra Mundial havia acabado há pouco mais de uma década, o dólar era moeda escassa e os mercados financeiros europeus eram pequenos e não muito desenvolvidos. Manutenção da autonomia monetária e da política econômica, restrição aos capitais especulativos de curto prazo e desejo de proteger os mercados domésticos de capital foram os principais motivos para que não avançassem, nos acordos de Roma, propostas liberalizantes na área financeira. O tratado previa, adicionalmente, a possibilidade de que os Estados membros se utilizassem de medidas protecionistas; a cláusula de salvaguarda do art. 109, adotada por insistência da França, foi pensada para os casos de problemas com o balanço de pagamentos.

No pós-guerra, estabeleceram-se diferenças significantes entre as ideias econômicas e também entre as políticas econômicas dos países europeus, especialmente entre França e Alemanha. A “economia social de mercado” alemã diferenciava-se da postura mais ativista defendida pela França a respeito do papel do Estado na economia. A tradição republicana francesa acentuou a soberania nacional como fonte de legitimidade e, consequentemente, a politização da gestão econômica. A Alemanha Federal procurou descentralizar e dividir o poder. A partir desta concepção, deu forma à sua “economia social de mercado”. Estas diferenças devem-se fundamentalmente às estruturas das economias alemã e francesa. Cientes de sua superioridade econômica, os alemães, desde as primeiras negociações para a constituição da CEE, defenderam políticas liberalizantes, com um mercado comum que seria organizado calcado nos princípios da economia de mercado e liberalização do comércio. Os franceses, por sua vez, conscientes de sua desvantagem e também à semelhança do que ocorria em seu território, defendiam o planejamento econômico em âmbito europeu. A França viveu problemas econômicos nos anos 1950; em 1958, a inflação superava 10%; e o país experimentou deficit no balanço de pagamentos. A guerra na Argélia era também fonte de incerteza econômica. Estes elementos se constituíam num sério problema para os pró-europeus franceses: como poderiam participar de um mercado comum com estes desequilíbrios macroeconômicos? (Maes, 2007, p. 20).

Na década de 1960, em resposta ao processo de liberalização financeira, já em curso nos países desenvolvidos, a Comissão Europeia começa a discutir mudanças em suas instituições de regulamentação financeira. Como ocorrido nas negociações para o Tratado de Roma, houve importantes diferenças entre os Estados membros, em especial Alemanha e França. Os alemães eram favoráveis à plena liberalização dos movimentos de capital, não apenas na CEE, como também com países de fora da região (Maes, 2007, p. 29). Os franceses temiam os capitais especulativos e seu potencial desestabilizador e argumentavam que a liberalização dos movimentos de capital deveria ser acompanhada pelo reforço da coordenação das políticas monetárias nacionais.[3]

Em 1969, assumiram Willy Brandt e Georges Pompidou, respectivamente como chanceler alemão e presidente francês. Naquilo que, para satisfação da opinião pública, era colocado como necessidade de um “relançamento da Europa” se deram as negociações no Hague Summit (na cidade holandesa onde ocorreu a reunião), em que, pela primeira vez, discute-se, pelas lideranças nacionais, a criação de uma moeda comum entre os membros da CEE. Esta discussão foi precedida de intensa negociação entre França e Alemanha, como sempre ocorreu no processo de integração europeu. Estas conversações também trataram do “alargamento” da Europa, no que se destacava a entrada da Grã-Bretanha. Rechaçada por Charles de Gaulle, nos anos 1960, a candidatura britânica passa a ser vista com simpatia por uma França temerosa do ressurgimento alemão. O apoio do presidente Pompidou à entrada britânica na CEE estava também relacionado ao fato de que, naquela conjuntura, a França se sentia com força política suficiente, em relação à Alemanha, para que o “alargamento” da comunidade ocorresse nos seus termos ( Simonian, 1985, p.  79-80).

O sucesso da recuperação econômica da Alemanha fez com que buscasse, nas palavras de Henry Kissinger (Kissinger, 2011, p. 97), “um propósito político”. A condição de dependência política em relação à França na Europa precisava ser superada. Foi preciso então rever a Hallstein Doctrine, elaborada pelo político e professor alemão Walter Hallstein, o primeiro a presidir a Comissão Europeia, que, no contexto da Guerra Fria, previa que a Alemanha Ocidental não manteria relações diplomáticas com a Alemanha Oriental, e qualquer outro país que mantivesse relações com a própria. A Hallstein Doctrine passa a ser vista pelos círculos dirigentes alemães como limitadora do escopo de ação externa do país. Também o empresariado alemão enxergava a Hallstein Doctrine como obstáculo para os seus negócios, pois impedia exportações para a Alemanha Oriental e também para Tchecoslováquia, Hungria, Polônia, Iugoslávia, Romênia e Bulgária, além da própria União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Já como ministro de Relações Exteriores, cargo que ocupava no governo alemão antes de se tornar chanceler, Willy Brandt tinha a clareza de que era necessário utilizar o comércio como “arma política”. O governo alemão de coalizão entre liberais e social-democratas procurou explorar a economia e o comércio para seus propósitos políticos, o que contribuiu para o início da reaproximação com os países do leste europeu (Dannenberg, 2008, p. 211-213). 

Embora a possibilidade de reunificação com o lado oriental estivesse prevista na Constituição elaborada no pós-guerra, é a partir do governo social-democrata de Willy Brandt que se inicia uma lenta reaproximação com o leste, que culminará na anexação do lado oriental, em 1990. A política do chanceler alemão,portanto,visava estreitar laços com a Alemanha Oriental e com os demais países do leste europeu, bem como, especialmente, criar um canal de diálogo e negociação com Moscou. Brandt pretendia primeiramente evitar um afastamento ainda maior entre as Alemanhas. A partir disso, seu objetivo era avançar da situação de conflito para a de cooperação. Em sua declaração inicial sobre o assunto, não fez menção à Hallstein Doctrine ou à reunificação, e sim descreveu a República Democrática Alemã como um Estado, bem como declarou que a relação entre os dois países deveria ser de tipo especial, como o relacionamento dos países da Commonwealth britânica (Balfour, 1992, p. 190). A questão central para Brandt era aumentar a aproximação com os países do leste europeu e reduzir a dependência dos aliados ocidentais em alguns dos mais vitais campos de ação da política externa (Zimmermann, 2002, p. 67-68).

Essa política criou apreensão na Alemanha e também nos aliados, como os Estados Unidos e, especialmente, a França. Internamente, criticava-se o fato de que se estava priorizando as relações com o leste em detrimento do relacionamento com a Europa Ocidental. Havia também no governo alemão a preocupação com o apoio ocidental à sua política para o leste, em especial o apoio francês. Ademais, nos contextos europeu e global em que estava inserida, uma Ostpolitik isolada, sem apoio externo, não daria resultados. Os alemães também precisavam do apoio das potências ocidentais para pressionar a URSS nas negociações e cobrar o cumprimento dos acordos (Wilkens, 2007, p. 76-77).  É neste contexto que os alemães defendem estreitar os laços com a Europa Ocidental. Portanto, na visão alemã, as instituições europeias deveriam ser fortalecidas e a Europa, “alargada” com a entrada britânica (Balfour, 1992, p. 190). Portanto, Brandt se preocupava com a possibilidade de sua nova Ostpolitik gerar temores de uma maior independência política por parte da Alemanha. A imprensa francesa e a britânica especulavam sobre o uso alemão de seu poder, fundado na força de sua moeda. As políticas alemãs de autonomia nacional, em tempos de crise na ordem transatlântica, reforçavam estas percepções e prejudicavam os objetivos da Westpolitik alemã. O chanceler alemão entendia que as políticas de estabilidade macroeconômica de seu país alimentariam as tendências de dissolução da CEE, porque estas solapavam as demais moedas europeias e porque, quando ministro das Relações Exteriores, assistira à deterioração das relações com a França, à procrastinação na criação de novas instituições europeias e à influência destrutiva dos conflitos monetários nas relações com os demais parceiros europeus. Além disso, era crítico às políticas dos Estados Unidos e não estava disposto a fazer sacrifícios em nome das relações transatlânticas. Portanto, a integração europeia era fundamental para a política externa alemã: esta deveria mostrar o compromisso alemão com os aliados ocidentais e restabelecer as relações com a França (Zimmerman, 2002, p. 68).

Essa necessidade política, somada à instabilidade monetária, fez com que os alemães propusessem uma união econômica e monetária. A ideia de criação de uma moeda europeia interessava na medida em que fortaleceria a integração, dando mais liberdade de ação política para a Alemanha; também, do ponto de vista econômico, porque evitaria a importação de inflação e desvalorizações competitivas dos seus competidores europeus.

A cooperação política desejada pela Alemanha visava também estabelecer uma détente como leste. Havia um distanciamento entre a posição dos europeus e dos Estados Unidos no que diz respeito às relações com a URSS, o que se intensificou com o envolvimento americano na Guerra do Vietnã, pois os europeus queriam estabelecer relações independentemente dos Estados Unidos (Kissinger, 2011, p. 132-133). O deslocamento de suas tropas para o Vietnã deixou os europeus (em especial os alemães) em dúvida sobre o compromisso dos Estados Unidos com a segurança do continente.

No encontro em Munique, em 19 de novembro de 1970, a CEE discutiu a possibilidade de uma Conferência de Segurança Europeia[4] para discutir as relações com a URSS. Esta iniciativa europeia não ocorreu sem críticas por parte dos Estados Unidos.

O secretário de Estado Henry Kissinger criticou o que chamou de “détente diferencial” da Europa com a URSS, enquanto esta, em sua visão, seguiria com posições bem mais duras em relação aos Estados Unidos nos assuntos globais, o que significaria ampliar divisões entre Estados Unidos e aliados europeus (Kissinger, 2011, p. 132). Este discurso refletia o incômodo americano com ações que significassem maior grau de autonomia europeia. As negociações avançaram, contudo, e isto refletia a realidade geopolítica regional, em especial o interesse estratégico alemão. A Alemanha se encontrava em situação bem mais vulnerável do que a França, esta mais distante do leste europeu e com mais capacidade de autodefesa, derivada, em grande medida, de seu arsenal nuclear. Além do respaldo político que conferia à Ostpolitik, estas discussões para distensão também proporcionavam uma importante arena para a política externa alemã.

Em suas negociações, o ponto principal de discórdia entre franceses e alemães era a questão econômico-monetária. Enquanto os alemães, juntamente com os holandeses e, em menor medida, os italianos, enfatizavam a coordenação das políticas econômicas, franceses, belgas e luxemburgueses davam maior peso às medidas monetárias. Havia, nesta discussão, o debate entre os “economistas” e os “monetaristas”, que, na verdade, era a disputa política pela “simetria” das taxas de câmbio, ou seja, as relações de câmbio mais ou menos favoráveis a grupos de países com determinadas características econômicas. “Monetarista”, neste caso, não se confunde com ideias econômicas de Milton Friedmann, que ganharam importância na década de 1960. Os “economistas” eram os países de moeda forte, baixa inflação e grandes superavit comerciais: Alemanha, Holanda e, até 1970, Itália. Os “monetaristas” eram os países de moeda fraca, inflação mais alta e persistentes deficit comerciais: França, Grã-Bretanha – até 1980 –, Bélgica e Itália – depois de 1970. Para os “economistas”, a convergência econômica deveria preceder a integração monetária e seria assimétrica, com os custos da estabilização das taxas de câmbio suportados primeiramente pelos países de moeda fraca. A união monetária deveria ser o final de um longo processo de convergência econômica e integração, no qual inflação, dívida e taxas de juros deveriam se mover para os padrões do país de moeda forte (no caso, a Alemanha) e o livre movimento de capitais e bens deveria ser assegurado. Este arranjo favorecia os países de moeda forte porque reduzia os custos dos exportadores, com a apreciação da moeda; aumentava a flexibilidade macroeconômica interna; e assegurava condições estáveis para o comércio. Para os “monetaristas”, a cooperação monetária deveria preceder a convergência econômica, com os custos da estabilização das taxas de câmbio recaindo sobre os países de moeda forte. Obrigações de intervenção, transferências financeiras, nível da taxa de câmbio e velocidade do processo de integração estão entre as preocupações desses países (Moravcsik, 1998, p. 241).

O Relatório Werner, coordenado pelo primeiro-ministro e ministro das finanças de Luxemburgo, Pierre Werner, considerado a primeira proposta conjunta europeia para uma moeda comum, sinalizou, no que foi o acordo possível, um compromisso de avanço nas duas áreas. O relatório previa que a união monetária se realizaria em uma área onde bens, serviços, pessoas e capitais pudessem circular livremente e sem distorções competitivas que ocasionassem desequilíbrios regionais; mencionava também a total e irreversível convertibilidade das moedas, a eliminação das margens de flutuação nas taxas de câmbio, a irrevogável fixação das paridades entre as moedas e a completa liberalização dos movimentos de capital (European Commission, 1970, p. 9-10). A implementação da união monetária até 1980 envolveria considerável transferência de responsabilidade do âmbito nacional para a CEE, novas instituições e uma revisão do Tratado da Comunidade. Os gaullistas reagiram com hostilidade aos objetivos do Plano Werner, pois entendiam ameaçar a soberania francesa. Os franceses defendiam que os países membros deveriam se concentrar no primeiro estágio da união monetária e postergar reformas institucionais, o que enfrentou resistência dos outros cinco países que não admitiam separar as primeiras medidas dos objetivos finais (Simonian, 1985, p. 89-90).

Embora as negociações não tenham dado os resultados esperados por Bonn, com os franceses rechaçando as propostas mais “europeístas” dos alemães, estes entenderam que o presidente Georges Pompidou – embora cauteloso em relação à integração e, também, assim como o ex-presidente Charles de Gaulle, adepto de uma concepção intergovernamental para a administração do projeto europeu – era, contudo, mais pragmático e acreditava na ideia de uma Europa integrada. Como o apoio francês para a Ostpolitik era indispensável, os alemães aceitaram um acordo bem mais modesto do que pretendiam, para o que Willy Brandt enfrentou dificuldades, pela sua escassa maioria parlamentar e pela oposição em seu próprio gabinete. Reuniões decisivas ocorreram na visita de Willy Brandt a Paris, em janeiro de 1971 e entre os ministros de finanças europeus em fevereiro do mesmo ano. Enfraquecido politicamente, o chanceler foi a Paris, em 25 de janeiro de 1971, em grande medida, como demandante pelo apoio francês à sua política para o leste. Nas tratativas com Pompidou, França e Alemanha puderam se reconciliar e produzir uma posição acordada para o encontro do Conselho de Ministros europeus, que ocorreria no mês de fevereiro. Este acordo demonstrou a importância das considerações de natureza política, de caráter mais amplo, sobre os interesses econômicos localizados. Brandt aceitou a visão mais estritamente intergovernamental da união monetária de Pompidou e assegurou que Bonn não insistiria em nenhum “perfeccionismo exagerado” na criação das novas instituições europeias. A revista The Economist da época apontou: “Willy pagou seu preço pelo acordo com o leste”. Os acordos estavam restritos ao menor denominador comum. Aspectos políticos e institucionais da união monetária permaneceram não resolvidos, e as decisões concretas se restringiram ao lado monetário. Questões relativas à política econômica europeia permaneceram muito mais vagas (Simonian, 1985, p. 92-93).

O Plano Werner previa que haveria certo grau de centralização fiscal e transferências automáticas aos Estados membros, embora sem total centralização. Esta não era entendida pelo Plano Werner como indispensável. A moeda regional, que, em um período de transição, existiria paralela às moedas dos Estados membros e, no estágio final, as substituiria, seria denominada Europa. Como primeiro passo, as políticas econômicas dos Estados membros passariam a ser coordenadas. As políticas keynesianas de ajustes cíclicos, através de medidas fiscais e monetárias, eram o mainstream de política econômica no mundo desenvolvido; e, dentre as intenções do projeto de moeda única neste período, estavam a promoção do pleno emprego e a criação do fundo social europeu. Seriam necessários instrumentos de intervenção em nível europeu, e a necessidade de políticas estruturais regionais para promover a convergência econômica era também enfatizada, o que era bastante diferente do Relatório Ohlin, de 1956, que defendia que a convergência deveria se dar pela mediação do mercado (Burgess e Strath, 2002, p. 135-136). O Plano Werner, entretanto, foi lançado poucos meses antes do colapso do padrão dólar-ouro, em agosto de 1971. Ainda no arcabouço regulatório do padrão dólar-ouro, previa-se, portanto, política econômica keynesiana em nível continental.

As mudanças na economia política internacional, descrita nas páginas iniciais deste capítulo, fizeram com que as discussões tivessem novos parâmetros. Ainda concebido na arquitetura de Bretton Woods,[5] que tinha como objetivos centrais da política econômica pleno emprego e bem-estar da sociedade, o Plano Werner passa a ter concepção de integração monetária “defensiva”, mais preocupada em proteger as moedas europeias da instabilidade financeira. As propostas de “comunitarização” da política econômica, com objetivos de pleno emprego em nível europeu, previsão de criação de um fundo social europeu, políticas para promoção da convergência econômica entre os países e ajustes cíclicos das políticas monetária e fiscal, em concepção keynesiana, perdem importância e não são mais adotadas. O Plano Werner foi transformado em um mecanismo para compensar o colapso do dólar, a chamada “serpente monetária” (Burgess e Strath, 2002, p. 135).

Os eventos de 1971 e 1973 e o fim da vigência dos acordos de Bretton Woods, assim como a distensão entre Estados Unidos e URSS, promoveram o início de uma inflexão na política externa alemã e, por conseguinte, na política cambial. A adoção do padrão dólar-flutuante, em 1973, força as economias europeias à “flutuação conjunta” de suas moedas, um sistema regional de taxas de câmbio que pretendia limitar a 4,5% a variação entre as taxas de câmbio intraeuropeias, dando origem à “serpente monetária” (exchange rate mechanism). Na prática, isto significou ancorar as demais moedas ao marco alemão, referência da região, para protegê-las da instabilidade dos movimentos de capitais e da inflação. Esta nova posição do marco alemão no cenário europeu não era possível nos limites da estreita cooperação com os Estados Unidos, prevista nos acordos de Bretton Woods. A CEE tornou-se então, a partir destas mudanças, “território monetário” da Alemanha. Foi a emergência de um sistema que inicialmente previu uma flutuação de +/- 1,5% em relação à moeda alemã, a “serpente no túnel”, mas que posteriormente não mais conseguia fixar limites entre as moedas, a “serpente no lago” (Neal, 2007, p. 97).

Como resultado da Ostpolitik de Willy Brandt, foram assinados os acordos de Moscou e de Varsóvia, ratificados pelo Bundestag, a Câmara Baixa do Parlamento Alemão,em 5 de maio de 1972. No mesmo ano, foi assinado tratado com a Alemanha Oriental. Em 1973, as Alemanhas ingressaram nas Nações Unidas e, como consequência da détente de Willy Brandt, a Alemanha Oriental ganhou status internacional. Estes movimentos foram vistos com grande preocupação pela França, o que deu impulso ao ingresso britânico na CEE, em 1973.

Os anos 1970, após 1973, consagrariam uma nova realidade. A aliança atlântica não mais cooperaria nos assuntos monetários como antes. A Alemanha não mais estava tão umbilicalmente ligada aos Estados Unidos. Refletindo sua posição de menor dependência política, os alemães não mais seguiram estritamente a posição americana.

Como afirma Gilpin, em contraste com o Acordo Smithsonian, porém, quando esses realinhamentos foram impostos pelos Estados Unidos aos outros países e, depois, negociados multilateralmente, desta vez o ator principal foi a Alemanha Ocidental, que se recusou a continuar apoiando o dólar (Gilpin, 2002, p. 162).

O fim da vigência dos acordos de Bretton Woods e a adoção do câmbio flutuante por uma parte dos países desenvolvidos; os conflitos bélicos no Oriente Médio e suas repercussões no preço e no fornecimento do petróleo; a distensão entre Estados Unidos e URSS; e os primeiros efeitos da Ostpolitik, com ganho de margem de ação política pela Alemanha, transformaram o cenário internacional e, no último caso, o europeu especificamente. A aliança atlântica não era mais tão “estreita” quanto na década de 1960, e a flutuação transformara o deutschemark na “moeda-âncora” da CEE.

3 A NOVA POSIÇÃO GEOPOLÍTICA DA ALEMANHA, A

“SERPENTE MONETÁRIA” E O PADRÃO “DÓLAR-FLUTUANTE”

As discussões envolvendo a União Econômica e Monetária se tornaram mais difíceis em consequência da mudança de conjuntura. A união monetária europeia que se concretizaria em três estágios, até 1980, havia sido proposta no encontro de Hague, em 1969, tendo como paradigma a macroeconomia keynesiana e expressando o interesse da Alemanha em estabelecer vínculos mais sólidos com a Europa Ocidental como complemento de sua política de aproximação com o leste, ou seja, com Moscou e seus países satélites na Europa Oriental, em especial, evidentemente, a Alemanha Oriental. A reunificação alemã era o objetivo no longo prazo. No entanto, a correlação de forças havia se alterado favoravelmente à Alemanha, que não mais precisava propor uma moeda da CEE em substituição ao marco. Esta conjuntura política importa mais na explicação do porquê o projeto da moeda comum europeia em 1980 não se concretizou do que a explicação corrente da literatura especializada, que dá maior peso à instabilidade dos fluxos de capital na década de 1970. O interesse em uma moeda comum por parte dos alemães termina com o padrão dólar-flutuante e a bem-sucedida reaproximação com o seu lado oriental.

A década de 1970 se caracterizou pelo aumento dos fluxos financeiros entre os países e pela descoordenação, cenário diferente do período de finanças reguladas e cooperativas de Bretton Woods. Houve uma mudança na estrutura das relações monetárias e financeiras no mundo desenvolvido, pois o arranjo existente, em crise, não mais atendia às necessidades do poder hegemônico, os Estados Unidos. Para tanto, os Estados Unidos valeram-se de sua capacidade de alterar a “arquitetura” da economia política internacional. O “poder estrutural”[6] dos Estados Unidos na ordem financeira internacional emergente buscava obter, por meio da “disciplina” dos mercados desregulados, as mudanças cambiais que não seriam obtidas por via das negociações diplomáticas. Em oposição aos pedidos europeus e japoneses por “simetria” nas taxas de câmbio, os Estados Unidos, por meio da posição do dólar e de seu sistema financeiro, impuseram um sistema monetário internacional não cooperativo que lhe deu grandes vantagens junto aos parceiros comerciais. Os burocratas que manejavam a política econômica dos Estados Unidos perceberam, portanto, que os movimentos especulativos de capital eram um instrumento central para a estratégia americana de fazer com que outros países (Europa Ocidental e Japão) absorvessem o custo da redução do seu expressivo deficit em conta corrente através da apreciação de suas moedas em relação ao dólar, o que aumentava a competitividade dos produtos de exportação dos Estados Unidos. Ainda antes de 1971 e também depois, o governo dos Estados Unidos incentivou os operadores privados a operarem contra o dólar e em favor de outras moedas. Esta estratégia foi extremamente bem-sucedida. Em 1973, o deficit em conta corrente americano era praticamente inexistente, o que se deu por esta transferência dos custos do ajuste através do câmbio (Helleiner, 2004, p. 112-113).

A CEE e seu arranjo monetário regional – exchange rate mechanism ou “serpente monetária” – não tinham capacidade para se contraporem a estas políticas americanas, contrárias aos interesses europeus. A concepção de uma moeda comum europeia, proposta pelo Plano Werner, passou a ser uma resposta às pressões americanas nos mercados financeiros e não estava acompanhada de plano que previsse centralização política e perda de soberania nas principais prerrogativas na gestão econômica de cada um dos Estados europeus. Os acordos pactuados em Roma e que deram origem à CEE pretendiam restabelecer, após a Segunda Guerra Mundial, um sistema estável de Estados na Europa e não previam a forma federativa, necessária, em princípio, ao projeto da moeda única.

O fim da ordem financeira de Bretton Woods e o aumento do comércio entre os países da CEE contribuíram para mudar a atitude alemã em face do tema da cooperação econômica. Embora sempre presente nas intenções dos defensores de uma Europa federal, a união monetária não fazia parte dos textos fundacionais da CEE no Tratado de Roma, e o tema sempre foi considerado sensível politicamente. Até o encontro de Hague, os acordos nesta questão sempre foram bem mais modestos e buscavam cooperação entre os Estados Nacionais (Story, 1999, p. 23). Era impensável, portanto, para os políticos alemães a ideia da criação de um bloco monetário regional quando da assinatura do Tratado de Roma, em 1957; além do que, como já mencionado, a cooperação monetária era vista como um “tema transatlântico”. O crescimento dos mercados da CEE para as exportações germânicas em comparação com outros mercados e o consequente incremento da interdependência econômica entre as economias europeias, em um cenário no qual a coordenação transatlântica de Bretton Woods não seria mais possível, foi gradualmente mudando as atitudes alemãs (Tsoukalis, 1977, p. 81).

O esquema redistributivo proposto pela Alemanha, quando da formatação do Plano Werner, não era mais, para seus intentos, desejável; e, na falta de um “federalismo” na CEE, as diferenciadas posições nacionais minaram qualquer possibilidade de ação concertada minimamente eficiente para as moedas do espaço europeu. A “serpente monetária”, que prosseguiu até 1979, com o advento do Sistema Monetário Europeu, foi um mecanismo de câmbio instável, com entradas e saídas de países de seu esquema (inclusive no caso da França), mas que consolidou na Europa Ocidental, no regime internacional de câmbio flutuante e liberdade de capitais, um “território monetário” alemão. A referência ao marco, para as outras moedas, significava proteção contra a inflação, mas o fato de seus bancos centrais não terem influência sobre o Bundesbank, que na prática já era uma espécie de Banco Central da Europa, trazia problemas para a execução de suas políticas econômicas nacionais. Como aponta Eichengreen,

a serpente [monetária] tinha sido instituída como um sistema simétrico em reação às objeções francesas ao papel assimétrico do dólar no cenário de Bretton Woods. Mas depois que a Serpente foi libertada do túnel smithsoniano, o marco alemão assumiu o papel de moeda de referência e âncora anti-inflacionária para os países europeus. O Bundesbank deu o tom para a política monetária de todo o continente. Entretanto, não havia um mecanismo por meio do qual outros países pudessem influenciar as políticas do banco central alemão e não existia outra opção, a não ser abandonar a Serpente, através da qual eles pudessem controlar seus próprios destinos monetários. Essa presença insuficiente de uma autoridade controladora foi um obstáculo definitivo ao sucesso da Serpente (Eichengreen, 2000, p. 210-211).

Afirma ainda Ahijado sobre a “serpente monetária” e o contexto internacional do período que,

do ponto de vista teórico, pensava-se que o Mercado Comum não poderia funcionar de forma adequada se as taxas de câmbio, e com elas os preços, flutuassem consideravelmente entre si, aspecto que a experiência posterior não confirmou. Por outro lado, alguma literatura defende que a Serpente [Monetária]desempenhava um papel de escudo protetor da competitividade da indústria alemã, em um período em que o dólar americano estava muito baixo ou, talvez com maior precisão, débil e, o que era pior, com a possibilidade de arrastar com ele o franco francês, a libra esterlina e a lira italiana, divisas estas de países sócios, mas também concorrentes da Alemanha, eliminando todo o cálculo econômico estável e, alterando com isso, de modo arbitrário, os fluxos de comércio normais derivados das preferências dos consumidores e da competitividade em sentido amplo dos produtos industriais (Ahijado, 1997, p. 62).

A flutuação do franco, em 19 de janeiro de 1974, tornou explícita a fragilidade do mecanismo cambial europeu e o irrealismo das expectativas por uma moeda comum, em 1980. A flutuação, antes encarada como anátema pela França, visava dar competitividade à indústria francesa em ambiente de petróleo caro, movimento similar à flutuação da libra, adotada em agosto de 1972. A política monetária mais inflacionista do Banque de France não se harmonizava com a política monetária mais conservadora do Bundesbankalemão. O governo alemão passou a defender que a moeda comum deveria estar lastreada em políticas anti-inflacionárias por parte dos Estados membros, mesmo que à custa do aumento do desemprego (Story, 1999, p. 35).

A política europeia francesa sofria graves constrangimentos da situação econômica, e novas iniciativas para a CEE no campo econômico dependiam de Bonn. Evidenciando o momento de baixa coordenação na CEE, a decisão francesa de flutuar o franco se deu apenas seis semanas após o lançamento do European Monetary Cooperation Fund e três semanas após do que seria a “segunda fase” da União Econômica e Monetária. Os diferentes interesses nacionais europeus, com suas políticas econômicas diversas, e o interesse nacional americano – que desencadeou, com suas políticas, a instabilidade, em especial pela recusa em intervir nos mercados financeiros – enfraqueceram o projeto europeu e tornaram inviável qualquer intenção de adoção de uma moeda única no prazo primeiramente pensado. A “serpente monetária”, como mecanismo de coordenação cambial europeu, nesse cenário, também fracassou (Jones, 1998, p. 62).

Com um mês de transição para o chamado “segundo estágio”[7] para a moeda única, cinco moedas flutuavam conjuntamente e quatro, independentemente. Os franceses retornariam à “serpente monetária” em julho de 1975 e sairiam novamente em março de 1976, para retornar apenas em 1979, com o Sistema Monetário Europeu. Para a Alemanha, este era um cenário que despertava grande preocupação, especialmente em relação à “flutuação independente” do franco, com sua saída da “flutuação conjunta” da “serpente monetária”. Além do prejuízo para as relações bilaterais e a coordenação franco-germânica na CEE, os alemães temiam a repetição da década de 1930, com os países efetuando unilateralmente suas desvalorizações competitivas.

O crescimento do comércio entre os países da CEE e os problemas já mencionados com a “serpente monetária” levaram à necessidade de criação de mecanismo de coordenação monetária entre os países que necessariamente teria de ir além das políticas estritamente nacionais. Diferentemente do Plano Werner, que visava criar uma moeda europeia, o Sistema Monetário Europeu nasceu como fruto da experiência dos anos 1970 e do contexto econômico internacional, ainda adverso (o mundo viveria novo choque do petróleo em 1979) e com concepção mais pragmática e menor grau de ambição.

O objetivo era estabilizar as taxas de câmbio entre as moedas europeias.[8] A estabilidade econômica era vista também como pré-condição para o aumento da coesão política entre os países da CEE, prejudicada por políticas econômicas nacionais divergentes. Era difícil, à época, prever esta “pausa” no processo de união monetária, mesmo que se pudesse considerar, a esta altura dos acontecimentos, esta possibilidade mais como parte da retórica e elemento de barganha política do que propriamente um objetivo a ser alcançado, ao menos da parte dos atores principais do processo de integração, França e Alemanha.

Do ponto de vista francês, na concepção econômica liberal do presidente Giscard d’Estaing, a ligação entre o franco e uma moeda mais forte como o marco alemão teria o efeito benéfico de reduzir a inflação na França, assim como possibilitaria ao país colher benefícios da exposição à competição com a Alemanha, podendo, então, a seu ver, emulá-la. A preocupação com a ascensão econômica alemã e seu protagonismo eram o motivo destas propostas de Giscard d’Estaing, com o intuito de revitalizar a economia francesa. Do lado alemão, além do processo de reaproximação com os franceses, outros fatores tiveram importância em sua aceitação de um novo sistema de coordenação monetária europeu: as relações ruins com o governo Jimmy Carter e a queda do dólar entre 1977 e 1978, o que resultou na revalorização do marco, que, como no início da década de 1970, ganhou importância como reserva de valor para a finança internacional, prejudicando as exportações alemãs para os Estados Unidos e tornando obsoletos os mecanismos da “serpente monetária”. Esta situação a deixava inadequada para manter as paridades dentro da CEE e a competitividade das exportações alemãs na região. O Sistema Monetário Europeu foi um aperfeiçoamento da “serpente monetária”, sendo que esta funcionou bem para a economia alemã, pois manteve certa estabilidade nas paridades cambiais, fator favorável ao comércio. Um sistema mais estável favoreceria a indústria alemã e evitaria a importação de inflação dos outros países do bloco. Na visão de De Cecco, a criação do SME representou a vitória do lobby do setor industrial alemão sobre as autoridades monetárias do país, pois entendiam que a indústria estava sendo penalizada pelo “isolamento” da Alemanha nas relações com as moedas dos parceiros europeus e o fortalecimento do marco (De Cecco, 1989, p. 89). Ao restringir o uso das desvalorizações pelos países mais fracos da CEE, o Sistema Monetário Europeu aumentava a pressão para que estes tivessem políticas econômicas menos expansionistas.[9]

A desconfiança em relação aos Estados Unidos e sua liderança internacional, as considerações de natureza política (e percepção diferente de como lidar com os problemas da região) e a necessidade de uma resposta coordenada europeia às políticas econômicas americanas (e seus efeitos para os demais países) estiveram no cerne da decisão pela criação do Sistema Monetário Europeu (Gros e Thygesen, 1998, p. 37). Embora França e Alemanha não tivessem as mesmas posições em relação ao formato do sistema monetário internacional e os franceses, em razão de sua situação mais vulnerável em relação à moeda e ao seu balanço de pagamentos, defendessem a volta de um sistema cambial internacional com paridades fixas e câmbio ajustável em face das pressões econômicas das políticas americanas, as posições convergiram. A valorização do marco não era do interesse da Alemanha. A posição britânica estava alinhada à americana e clamava que a Alemanha e os demais europeus superavitários assumissem o ônus do estímulo às suas economias e, com efeito, do estímulo à economia mundial, um exemplo do menor grau de compromisso e de coordenação na CEE por parte da Grã-Bretanha. A estratégia alemã foi aceitar realizar algum estímulo econômico interno para legitimar na CEE o Sistema Monetário Europeu e proteger o marco.

O Sistema Monetário Europeu só foi possível devido à estreita coordenação política e econômica entre França e Alemanha e à proximidade entre o presidente francês Giscard d’Estaing e o chanceler alemão Helmut Schmidt, o que tornava mais fácil a resolução de problemas internos em seus países. Sua existência, a partir de março de 1979, foi a mais importante demonstração, no período do governo de ambos, do compromisso franco-alemão com o projeto europeu. O pragmatismo das novas políticas adotadas para a coordenação monetária na CEE foi fruto das dificuldades enfrentadas anteriormente, portanto, do aprendizado com a experiência, mas também da correlação de forças políticas. A ideia de uma moeda europeia, objetivo do Plano Werner, não estava mais sendo considerada, neste momento, pelo establishment político dos dois países.

4 A RETOMADA DA HEGEMONIA AMERICANA E O SISTEMA MONETÁRIO EUROPEU

A deténte entre americanos e soviéticos, que se iniciou em fins da década de 1960 e perdurou por quase toda a década de 1970, o que englobou os primeiros dois anos do governo de Jimmy Carter, terminou em 1979. Teve seu começo neste ano um movimento de reafirmação do poder global americano, com suas dimensões estratégica e econômica. Na área militar, os Estados Unidos elevaram drasticamente seus gastos. Na economia, o “choque de Volcker”, como ficou conhecida a elevação da taxa de juros promovida pelo presidente do Federal Reserve, Paul Volcker, visava reabilitar a hegemonia do dólar como moeda-reserva mundial e dos Estados Unidos como principal ator econômico. Mesmo com as pressões dos aliados europeus (Biven, 2002, p. 240), o Federal Reserve procedeu à elevação dos juros americanos e redirecionou os fluxos de capital para os Estados Unidos, revalorizando o dólar e dissipando as contestações ao seu papel de moeda-reserva internacional. Outros efeitos desta decisão foram levar a economia mundial para a recessão e provocar a crise da dívida de países periféricos. Fiori trata desta questão, citando também Maria da Conceição Tavares, conforme trecho destacado a seguir.

No campo geoeconômico, a diplomacia do dólar forte, “ao manter uma política monetária dura e forçar a sobrevalorização do dólar, a partir de 1979, permitiu que o Federal Reserve retomasse na prática o controle de seus próprios bancos e do resto do sistema bancário privado internacional e articulasse em seu proveito os interesses do rebanho disperso. A partir daí, o sistema de crédito interbancário orientou-se decisivamente para os Estados Unidos e o sistema bancário ficou sob controle da política monetária do Federal Reserve, que passou a ditar as regras do jogo mundial”. (…) Paralelamente, no campo geopolítico, a administração Ronald Reagan deslancha uma ofensiva anticomunista, que começa no início dos anos 1980, com anúncio do programa militar Guerra nas Estrelas e culmina com a decomposição da URSS – dois movimentos em pinça que, segundo M. C. Tavares, explicam, em última instância, a gigantesca concentração de poder econômico, militar e financeiro, que ocorreu nas duas últimas décadas do século XX. Ou seja, sua tese é de que a retomada da hegemonia americana e a nova financeirização capitalista são duas faces do mesmo processo, resultado das políticas do próprio governo americano, amadurecidas na hora em que seu poder parecia entrar em decadência. Essa estratégia e suas políticas mudaram a face econômica e política do capitalismo contemporâneo: primeiro consolidou-se um novo sistema monetário internacional, baseado no dólar e sem qualquer padrão de referência; aos poucos, foram se definindo as regras e instituições de um novo regime de acumulação e de uma nova hierarquia político-militar mundial (Fiori, 2001, p. 13-14).

A confrontação dos Estados Unidos com os soviéticos, a decisão da URSS de invadir o Afeganistão e ainda a rebelião operária liderada pelo Sindicato Solidariedade na Polônia (em clara contestação aos soviéticos) atrapalharam os esforços alemães pela continuidade da Ostpolitik, que avançou, entre o final da década de 1960 e o final da década de 1970, graças, em grande medida, ao processo de distensão entre americanos e soviéticos. A Alemanha e, em menor grau, a França foram beneficiadas pela détente e não queriam desafiar a URSS. Condenaram a invasão do Afeganistão, mas, diferentemente dos Estados Unidos, eram contra qualquer sanção comercial. A declaração conjunta franco-germânica sobre o tema foi indicativa do renovado peso político destes países e da importância da aliança entre ambos. O antagonismo entre Estados Unidos e URSS se acentuaria e ganharia tons bem mais ideológicos no governo de Ronald Reagan, convicto da necessidade de aumentar a influência internacional americana, que se reduziu no governo de Jimmy Carter. O tom belicoso da administração americana e os temores que gerou em franceses e alemães em relação à segurança europeia contribuíram também para sua aproximação e definição conjunta dos rumos da CEE e defesa de posição europeia independente nos assuntos mundiais, bem como nos assuntos relacionados à defesa, com a ideia de uma institucionalidade autônoma nesta área, depois concretizada na criação da Organização para a Segurança e Cooperação da Europa (Osce).

Não havia, contudo, no início da década de 1980, o mesmo grau de coordenação franco-germânica na economia nem no tocante ao formato de possíveis reformas nas instituições europeias. O Sistema Monetário Europeu teve o início de sua operação apenas poucos meses antes da decisão americana por uma guinada em sua política monetária. Um cenário de dificuldades, pela conjuntura econômica mundial adversa, advindas da elevação dos juros dos Estados Unidos e do segundo choque do petróleo, além das divergências entre França e Alemanha, tornou mais distante o seu objetivo principal de estabilização das taxas de câmbio entre as moedas europeias.

Pode-se afirmar, então, que há um primeiro momento, no funcionamento do Sistema Monetário Europeu, entre 1979 e 1983, dominado pela instabilidade no câmbio intraeuropeu, provocado, em larga medida, pelo ambiente internacional hostil, com grandes flutuações no valor do dólar, e também pela descoordenação franco-alemã em suas políticas econômicas (Verdun, 2002, p. 79). A recuperação econômica europeia se inicia apenas em 1983, na esteira da retomada do crescimento econômico nos Estados Unidos.

O chanceler alemão Helmut Schmidt e o presidente francês François Miterrand viam de forma bastante crítica as políticas monetária e fiscal do início da gestão Ronald Reagan. Divergências euro-americanas ocorreram também em relação ao comércio de aço, com as restrições impostas pelos Estados Unidos aos produtos siderúrgicos europeus e no que dizia respeito às relações comerciais destes com o leste europeu. Os Estados Unidos eram contra a ampliação do comércio com a Europa Oriental, em especial com a URSS, o que fazia parte de sua política de enfrentamento com o bloco socialista. Este bloqueio comercial foi obstáculo importante para o avanço da Ostpolitik, que se assentava, em boa parte, no estabelecimento de maiores e mais sólidos vínculos econômicos com a Europa Oriental. Na questão monetária, a taxa de juros americana em nível surpreendentemente elevado e o dólar sobrevalorizado eram vistos como sérios empecilhos à recuperação econômica europeia. Não sem certa ironia, o dólar forte, e não mais o dólar fraco das gestões americanas da década de 1970, era, naquele momento, o principal problema econômico para os europeus. No início de 1982, este era tema de forte atrito entre Estados Unidos, de um lado, e França e Alemanha, do outro. Contudo, apesar das ameaças europeias de endurecimento e aumento do protecionismo, a redução das taxas de juros americanas e, por conseguinte, das europeias, em meados de 1982, reduz a disposição para o conflito. Em junho de 1982, em encontro sediado em Versalhes, Ronald Reagan, sob forte pressão europeia, concorda com a realização de intervenções ocasionais nos mercados de câmbio, com o intuito de prevenir flutuações consideradas excessivas no valor do dólar, sem comprometer, no entanto, as políticas adotadas pela administração republicana (Harrison, 1987, p. 54).

Poucos dias depois, as autoridades monetárias dos Estados Unidos fizeram grande intervenção para evitar maiores flutuações da cotação da moeda americana. A administração de Ronald Reagan, contudo, não fez valer este esquema por muito tempo, e o dólar voltou a ter maiores variações em suas cotações. Apesar das queixas francesas, que pediam a volta de um esquema baseado em paridades fixas, não era do interesse dos Estados Unidos, nem do setor financeiro, esta volta ao passado.

As mudanças de governo na França e na Alemanha, com a ascensão do presidente socialista francês François Miterrand e do chanceler democrata-cristão alemão Helmut

Kohl, e as diferenças entre as políticas econômicas e sobre as visões a respeito da CEE de suas gestões, no início da década de 1980, configuraram relação bilateral bem diferente da pactuação que existiu entre os governos de Giscard d’Estaing e Helmut Schmidt na segunda metade da década de 1970. Na economia, a preocupação de François Miterrand era reduzir o desemprego; para tanto, a política econômica socialista era keynesiana, no que se diferenciava da ortodoxia macroeconômica alemã, tanto do social-democrata Helmut Schmidt quanto, ainda mais, do conservador Helmut Kohl. O programa socialista de reativação econômica propunha nacionalizações e expressivo aumento nos gastos sociais (Hitchcock, 2003, p. 442), o que, para os alemães, era visto como política pouco responsável e perigosamente inflacionista. Bonn temia os efeitos da política francesa em sua própria economia e pressões adicionais sobre o Sistema Monetário Europeu, afetando seriamente a coordenação monetária europeia, em momento de severa recessão mundial. O ambiente financeiro internacional mais liberal da década de 1980, em comparação com as três décadas precedentes, e o mecanismo de bandas cambiais do Sistema Monetário Europeu não colaboraram para o sucesso da política econômica dos socialistas franceses em seus dois primeiros anos de mandato. Deficit em conta corrente crescente e inflação mais alta que em outros países europeus, com constante expectativa de desvalorização do franco, o que dificultava o estabelecimento de paridades relativamente estáveis com as moedas mais fortes da CEE, como o florim holandês e, especialmente, o marco alemão, eram os problemas da política econômica francesa.

A questão do valor do franco e da necessidade de sua desvalorização marcou os primeiros dois anos da gestão de François Miterrand, que teve seu começo em maio de 1981. Desde o início da operação do Sistema Monetário Europeu, ainda sob o governo conservador de Giscard d’Estaing, dois anos antes, a inflação francesa manteve-se em patamares semelhantes à alemã, e o franco valorizou-se 12% em relação ao marco, um problema para a indústria francesa. Com a contínua deterioração da balança comercial, em outubro de 1981, o ministro das finanças francês, Jacques Delors, negociou o “realinhamento” do Sistema Monetário Europeu, com o franco francês e a lira italiana sendo desvalorizados em 3% em relação ao marco alemão e em 5,5% em relação ao florim holandês. Como a inflação francesa aumentou no governo socialista, este pacto mostrou-se insuficiente, e outro realinhamento foi realizado, em junho de 1982, com valorização do marco e do florim em 4,25% e desvalorização do franco em 5,75% e da lira em 2,75%.

Em março de 1983, nova pequena desvalorização do franco foi efetuada em relação ao marco, e este momento marcou importante inflexão na política econômica francesa. A desvalorização, em sintonia com as preferências de Jacques Delors, foi acompanhada de um forte programa de austeridade nas contas públicas. Embora não tenha havido, concomitantemente, medidas com vistas ao crescimento econômico alemão, o que frustrou os franceses, a guinada ortodoxa dos socialistas marcou o retorno à “germanização” da gestão econômica, que preponderou no período de Giscard d’Estaing e seu ministro das finanças Raymond Barre. O Sistema Monetário Europeu, assimétrico e centrado no marco alemão, impunha grandes custos aos países, como a França deste período, que optassem por operar política monetária e fiscal divergentes da alemã, portanto, que tivessem política econômica diferente da ortodoxia. Os franceses consideravam também que os alemães não colaboraram para que o SME “acomodasse o franco” e, portanto, não deram apoio à sua política econômica (Garret, 2001, p. 119-120). Embora tivesse apresentado resultado melhor em termos de crescimento econômico, em tempos de recessão global, comparado aos seus vizinhos da CEE, a política econômica francesa teve de se deparar com o constrangimento estrutural da liberalização dos movimentos de capital e do dólar volátil e com sérias limitações em nível europeu. Os debates internos do governo francês no período sublinhavam as pressões dos movimentos globais de capital, a necessidade de adoção de políticas deflacionárias e da manutenção do franco no SME (Howarth, 2001, p. 56). Portanto, em nível europeu, os constrangimentos estavam dados justamente pela assimetria do Sistema Monetário Europeu, centrado no marco alemão. A experiência dos primeiros anos de governo socialista deixou claro para a elite política francesa, em especial para o ministro das Finanças Jaques Delors, os custos implícitos de adesão ao SME (Mazzucelli, 1997, p. 36). 

A relativa “calmaria” nos mercados internacionais entre 1983 e 1987, com queda nos preços do petróleo e menores flutuações no valor da moeda americana, contribuiu para a estabilidade do Sistema Monetário Europeu, assim como a adesão francesa à ortodoxia. As taxas de inflação se reduziram. Contudo, a consequência social de maior impacto da desinflação na CEE foi o aumento generalizado das taxas de desemprego ( Verdun, 2002, p.  79).

Desde o início do governo socialista, o futuro da Alemanha foi motivo de preocupação. Os socialistas buscaram aproximação com o governo alemão mesmo no período em que suas políticas para a economia e para a CEE divergiam substancialmente das do vizinho. Em discurso no Bundestag, em janeiro de 1983, François Miterrand já havia falado em consanguinité para se referir às relações entre os dois países. No contexto internacional de acirramento de tensões entre as superpotências, segurança era o elemento essencial na aproximação franco-alemã.

Helmut Kohl tinha clareza do papel central da Alemanha no avanço da integração europeia. Como ator política e economicamente mais forte, deveria, no entender do chanceler, ajudar os economicamente mais fracos. Dizia, naquele período, que cada marco investido no futuro da Comunidade Europeia era um pagamento pelo “futuro da liberdade”. A Alemanha deveria ser o país pronto a defender os interesses de longo prazo da CEE.

Como, no entanto, a parceria com os franceses sempre foi essencial para impulsionar o processo de integração, deu-se que, a partir do discurso do presidente François Miterrand, em 24 de maio de 1984, no Parlamento Europeu, em Estrasburgo, no qual defendeu mudanças nos tratados e avanço no processo de integração, rompendo com um quarto de século de ceticismo francês no fortalecimento das instituições regionais, os alemães puderam, enfim, levar adiante seus intentos de fortalecimento institucional da CEE. François Miterrand, neste discurso, falou em l’Europe politique e procurou se mostrar flexível em relação ao formato das novas instituições europeias: geometria variável e Europa de múltiplas velocidades foram os termos usados. O líder francês buscou enfatizar a questão das novas instituições e práticas trazidas pela adesão de novos Estados e pelas pressões do ambiente político internacional nos países e defendeu reformas nos procedimentos decisórios. A nova situação requeria um novo tratado europeu. Itália, Bélgica, Luxemburgo e Holanda criticaram estas propostas e questionaram o comprometimento francês com o projeto europeu, mas Miterrand entendia que geometria variável era a fórmula que permitia o envolvimento dos Estados na realidade política e econômica do final do século XX (Mazzucelli, 1997, p. 37).

França e Alemanha, no encontro de chefes de Estado e de Governo da CEE em Luxemburgo, nos dias 2 e 3 de dezembro de 1985, para as negociações para estabelecimento do Ato Único Europeu,[10] ameaçaram excluir da comunidade os países que não aceitassem o acordo. Na questão monetária, a posição alemã era a mesma das discussões no ano anterior: não queriam compromisso com uma moeda europeia, porém não poderiam simplesmente negar a ideia, presente nas discussões sobre integração. Em um primeiro momento, defendeu que os parlamentos nacionais aprovassem a integração monetária, passo atrás em relação ao que se discutia, naquele momento, na direção de maior institucionalização de competências em nível europeu. Os alemães, no entanto, reconheceram que sem progressos nesta área o processo não avançaria. Nesta questão, a posição de Jacques Delors coincidia com a da França, e ambos esperavam avanços. O comprometimento de França e Itália com certa liberalização em suas leis nacionais para a transferência de capitais facilitou a concordância de Helmut Kohl para maiores compromissos na área monetária. Para a primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, que anteriormente havia recebido de Helmut Kohl garantias de que não haveria mudanças nos Tratados de Roma relativas aos assuntos monetários, a alteração de posição do chanceler alemão fez com que adotasse a tática de conseguir a inclusão, nos novos acordos, da frase “cooperação em política econômica e monetária” (Wall, 2008, p. 68), o que restringiu o escopo da integração monetária, convergência de interesses, neste momento, entre Grã-Bretanha e Alemanha. Os alemães também condicionaram a integração monetária à convocação de uma nova conferência intergovernamental, de acordo com o art. 236 do Tratado de Roma, o que foi uma vitória política, pois estabeleceu o vínculo entre possíveis mudanças na esfera monetária e mudanças de caráter mais amplo nos acordos da Comunidade Europeia. No entanto, o termo ecu foi incluído no texto por insistência da Comissão Europeia.

No entendimento da Alemanha e no da Comissão Europeia, a definição de mercado interno europeu deveria ser ampla, o que novamente enfrenta resistência britânica, que defendia restrições em várias questões, como a abertura das fronteiras físicas e a transferência de soberania fiscal. Os alemães estavam sendo coerentes com seu objetivo de longo prazo em prol do livre mercado. Aos britânicos interessava a abertura do protegido mercado de serviços da economia alemã. Estabeleceu-se o prazo de 1o de janeiro de 1993 para que se constituísse o Mercado Único Europeu. A Comissão Europeia trabalhou em favor do estabelecimento deste prazo como forma de reforçar o compromisso político dos Estados membros. A estratégia do comissário Jacques Delors, nestas negociações, foi elaborar propostas em pacotes inseparáveis, não antagonizando os principais Estados e procurando aprovar as propostas em bloco. O orçamento de Bruxelas foi elevado de 1,05% para 1,2% do PIB dos países membros. A resistência britânica a estas proposições só foi ultrapassada com forte endosso do chanceler Helmut Kohl a Jacques Delors, apoio, no entanto, com a exigência de que as propostas da Comissão Europeia não fossem antagônicas aos interesses nacionais dos principais países.

A decisão pela adoção do Ato Único Europeu e suas medidas liberalizantes estava influenciada pela mudança no discurso econômico e retomada da hegemonia do pensamento econômico conservador, mas também pelo comparativamente mau desempenho dos países da CEE, entre 1973 e 1983, em termos de crescimento econômico, em relação ao resto do mundo. Aumento da competitividade europeia, crescimento das economias com baixas taxas de inflação, abertura comercial e redução dos subsídios eram alguns dos objetivos propostos. A redução dos custos laborais e dos gastos do Estado de bem-estar, as privatizações, a resistência ao protecionismo e o desmantelamento dos subsídios de suas políticas industriais eram soluções difíceis para países sem tradição de políticas de livre mercado. Neste contexto, a ideia política da necessidade de avanço da integração europeia justificava esse conjunto de ações. O Mercado Único Europeu tinha a vantagem de ser politicamente não controverso e de representar o maior avanço no processo de integração desde a década de 1950, no que teve especial papel a liderança do comissário Jaques Delors (Holmes, 2001, p. 77).

5  A CRIAÇÃO DO EURO

A liberalização financeira global e no espaço europeu teve consequências para a política monetária dos Estados Nacionais do continente, adeptos do Sistema Monetário Europeu, concebido em realidade diferente. Havia, na segunda metade da década de 1980, o que era chamado de “triângulo impossível” para os ministros de finanças e banqueiros centrais europeus: a existência concomitante de liberdade de movimentos de capitais, taxas de câmbio fixas e autonomia da política monetária. As décadas de 1980 e 1990 caracterizaram-se por gigantescos aumentos nos fluxos de capitais entre os países. Estes fluxos fizeram com que a autonomia dos países para o controle de variáveis-chave de gestão macroeconômica, tais como taxa de câmbio e taxa de juros, se reduzisse. Além das razões políticas, a leitura ortodoxa dos problemas cambiais europeus pelos próprios levou à conclusão de que uma moeda comum seria o “próximo passo”, a providência a ser tomada para a estabilização econômica. No início de 1988, o ministro das finanças francês, Edouard Balladur, argumentava em um memorando que o Sistema Monetário Europeu continuava com importantes defeitos, especialmente sua assimetria. Além disso, segundo Balladur, a liberalização dos movimentos de capital e do mercado interno continental criaria uma área econômica integrada, e esta, logicamente, demandaria uma única zona monetária (Balladur, 1988 apud Maes, 2007, p. 62-63).

Apesar dos discursos em favor da integração e da especial atenção dada por Helmut Kohl ao tema (e às responsabilidades, inclusive financeiras, da Alemanha, como país líder da região), as mudanças ocorridas na década de 1980, bastante direcionadas para construção de instituições europeias favoráveis ao livre mercado, revelam que as três nações mais ricas da região entendiam que a “convergência” dos padrões socioeconômicos na CEE se daria por meio das “reformas” mercadistas: liberalizações, privatizações e desregulamentações, e não primordialmente por transferências de recursos entre as regiões (Wall, 2008, p. 62).

O processo de reunificação da Alemanha tornou-se elemento inseparável das discussões sobre a moeda única europeia. Desejo dos franceses desde a “germanização” da política econômica, promovida por François Miterrand, com início em 1983, e de seu movimento em favor da integração europeia, a partir de 1984, o acordo com os vizinhos do leste tinha como objetivo europeizar a gestão do marco, substituindo-o por uma moeda comum regional. A reunificação possibilitou esta barganha entre franceses e alemães. Para a liderança britânica, na pessoa de Margareth Thatcher, existiam fortes temores em relação à reunificação alemã,[11] que esperava evitar. Tal posição, no entanto, além de não ter o endosso francês, não encontrava apoio no principal aliado dos britânicos, os Estados Unidos, favoráveis à reunificação desde que a Alemanha ratificasse seus compromissos com a Organização do Tratado do Atlântico Norte – Otan (Wall, 2008, p. 89).

A Alemanha reafirmou seus compromissos com a Otan e acertou compensações financeiras e um cronograma de desocupação militar de sua parte oriental com a URSS. Além destes entendimentos, os alemães se comprometeram, como preço político pela sua reunificação, a aceitar a demanda francesa por um novo Tratado Europeu que incluísse a previsão de uma moeda comum europeia. Diz Judt a este respeito:

os alemães poderiam se unificar, mas haveria um custo. Uma Alemanha maior, seguindo um caminho independente, ou retomando as suas antigas prioridades de país da Europa Central, estava fora de cogitação. [Helmut] Kohl precisaria se comprometer a desenvolver o projeto europeu sob a égide de um consórcio franco-germânico, e a Alemanha precisaria se submeter a uma união – cada vez mais próxima – cujos termos (notadamente uma moeda europeia comum) seriam estabelecidos num novo tratado (a ser negociado no ano seguinte, na cidade holandesa de Maastricht) (Judt, 2007 , p.  634).

Os acontecimentos do dia 9 de novembro de 1989 provocaram uma inflexão na conjuntura política europeia e mundial. A queda do muro de Berlim, ocorrida nesta data, e a independência dos Estados da Europa Central, que já vinha ocorrendo, acarretaram grandes alterações no cenário político do continente e também na balança de poder. Rapidamente, os constrangimentos à política externa alemã no continente desapareceram (Anderson, 1999, p. 01). Para a Europa Ocidental, a mudança histórica abriu a perspectiva do “alargamento” para o leste. O enfraquecimento e o posterior esfacelamento da URSS – com a confirmação da vitória americana na Guerra Fria, portanto, a consequente ascensão dos Estados Unidos a uma posição inconteste de hegemonia global – fizeram também com que os governos da França e Alemanha percebessem que se fazia necessário manter, como contrapeso, a coesão política entre os dois sócios principais do projeto europeu de integração (Calleo, 2001, p. 167).

A Alemanha estava preocupada em estabilizar e expandir sua zona de influência para a Europa Oriental e a França, determinada a evitar que o parceiro ocupasse (ou ao menos evitar que ocupasse sozinho) o espaço deixado no leste europeu com a queda da URSS. Outro aspecto importante era o relacionamento alemão com a Rússia, rivalidade central nas duas guerras mundiais (Kupchan, 1997, p. 216-217). O ambiente geopolítico que havia vigorado nas décadas precedentes havia se alterado dramaticamente.[12] Sem a presença da URSS e de seus satélites na Europa Oriental, o equilíbrio de poder entre França e Alemanha havia pendido para os alemães.

Tornar possível a continuidade da aliança franco-germânica no pós-guerra fria e compatibilizar a reunificação da Alemanha e a integração europeia eram os desafios que se colocavam para os líderes europeus naquele período. A posição francesa a favor da moeda europeia fortaleceu-se com a queda do muro de Berlim. Como anteriormente mencionado, os alemães não poderiam se reunificar sem estabelecer acordos com as “potências do tratado”, ou seja, as potências que ocuparam o país ao final da Segunda Guerra Mundial. A França utilizou esta nova situação histórica para barganhar sua aceitação da reunificação alemã com a condição de que Helmut Kohl se comprometesse com uma moeda comum. Importante nesta questão salientar a mudança de posição da Holanda, o que fornece mais uma evidência da ligação entre a geopolítica e a economia. Os holandeses normalmente apoiavam as posições alemãs na CEE, por razões institucionais e econômicas, e até então defendiam um processo gradual para uma futura União Econômica e Monetária. Porém, tendo em vista a questão fundamental do futuro da Alemanha no continente, endossaram as propostas francesas de aceleração do processo de criação da moeda comum. O chanceler alemão, a princípio, não queria assumir compromissos com prazos para o estabelecimento da moeda europeia, pois temia prejuízos eleitorais aos democrata-cristãos (CDU) nas eleições de dezembro de 1990, além de, na visão dominante da elite política do país, a moeda regional não ser necessária e oferecer poucos benefícios econômicos à Alemanha. A moeda alemã era central no Sistema Monetário Europeu, e o país tinha considerável autonomia macroeconômica neste sistema, por essa razão a mudança para a moeda regional era desejada pelos demais, que sentiam as consequências das decisões do Bundesbank(Garret, 2001, p. 118-121). O SME funcionou bem para a economia alemã, pois proporcionou estabilidade para os fluxos de comércio e a liderança alemã sobre o que, na prática, era uma zona marco. A Alemanha, portanto, tinha preservada sua soberania econômica e monetária em um regime multilateral e tanto o Bundesbankcomo a opinião pública alemã eram fortemente contrários à renúncia da moeda nacional (Crawford, 2007, p. 103). 

Contudo, a despeito dos problemas, as conversações entre os países sobre união monetária e união política avançaram. Os franceses fizeram importante concessão aos alemães e concordaram em discutir os temas institucionais europeus em conjunto com a união monetária. A vitória de Helmut Kohl e dos democrata-cristãos (CDU) nas eleições de março de 1990, na Alemanha Oriental, também influenciou. Para o entendimento do governo francês, a reunificação colocava-se então como realidade inevitável, e a política a ser perseguida era atar firmemente a nova Alemanha reunificada à Comunidade Europeia.

É preciso, contudo, matizar o interesse alemão em “aprofundar” as instituições europeias. Publicamente, o chanceler alemão se dizia favorável à união federal europeia, porém trabalhou pelo fortalecimento do Conselho Europeu em relação à comissão e outras instituições europeias. A instituição intergovernamental do conselho, esta ocupada pelos chefes de Estado e de governo europeus, então fortalecida, continuaria dando à Alemanha possibilidade de exercer grande influência. O “federalismo” alemão buscava, de forma bastante pragmática, instituições e regimes regionais em que pudesse consolidar suas vantagens econômicas e políticas.

A ideia de uma “união política europeia”, em consonância com seus interesses nacionais, colocou-se no pós-guerra como objetivo de política externa alemã e como estratégia de longo prazo. A reunificação alemã passou a ser defendida por Bonn como “catalizadora” da aceleração da unificação europeia em direção a uma união política. Para tanto, os alemães defendiam o fortalecimento do Conselho Europeu e do Parlamento Europeu, onde advogavam o uso mais frequente do voto majoritário. Na visão francesa, permanecia a defesa da ideia de uma confederação europeia com moeda, política externa e de segurança comuns. A elite política do país passou a aceitar a reunificação, porém desde que com “paridade institucional” na comunidade. As instituições europeias não poderiam ser modificadas para “acomodar” o aumento populacional decorrente da reunificação alemã. Havia preocupações, especialmente com um aumento do número de cadeiras alemãs no Parlamento Europeu.

Para o governo Helmut Kohl, por razões de política interna, era bastante relevante que, como contraponto à concessão de abandonar o marco, se estabelecesse que seriam discutidas reformas institucionais. Embora não tenha conseguido vincular o avanço das discussões na questão monetária às reformas institucionais, como inicialmente defendia, Helmut Kohl acordou com François Miterrand que ambas seguiriam paralelamente. Não foi fácil contudo. Os dirigentes do Bundesbank expressaram sérias reservas ao projeto da moeda comum, com o argumento de que primeiro os países deveriam alcançar padrões germânicos de inflação, taxas de juros e nível de endividamento antes da integração monetária completa. O período para a transição precisaria ser mais longo. Outra alternativa, defendida pelo Banco Central alemão, era que o processo deveria prosseguir em “duas velocidades” com um grupo menor de países, composto de Alemanha, França, Bélgica, Holanda e Luxemburgo, dotados de grande convergência macroeconômica, fazendo parte num primeiro momento; e um segundo grupo, composto pelos demais integrantes da CEE, após atingirem estes standards,podendo então também integrar a área da moeda comum. A oposição do Bundesbank ao projeto da união monetária teve algum resultado. Helmut Kohl e outros membros do governo passaram a expressar publicamente dúvidas sobre as datas dos estágios de transição à futura união monetária, o que gerou incerteza nos demais europeus sobre as reais intenções de Bonn a respeito do tema e de seu compromisso com a Europa. O Comissário Europeu, Jacques Delors, expôs neste período claramente o descontentamento com a indefinição alemã (Baun, 1996 , p.  618).

Em outubro de 1990, Helmut Kohl comunicou ao primeiro-ministro italiano, Giulio Andreotti, então presidente do Conselho Europeu, que poderia, naquele momento, aceitar estabelecer datas para os próximos estágios da União Econômica e Monetária. O chanceler alemão expressou também que não poderia fazê-lo em dezembro, no encontro europeu de Roma, paralelamente às eleições federais alemãs. Os demais líderes europeus aproveitaram a oportunidade. Em reunião especial da CEE em Roma nos dias 27 e 28 de outubro, acordou-se que o segundo estágio da União Econômica e Monetária se iniciaria em janeiro de 1994. Este arranjo consistiria em completar o Mercado Único Europeu, que teria seu início em 1992, iniciar o processo que daria independência aos bancos centrais da região no início do terceiro estágio e estabelecer limitações para a política fiscal dos Estados Nacionais. Ficou decidido também que, no início do segundo estágio, seria criado o Instituto Monetário Europeu, embrião do Banco Central Europeu e que a terceira fase se iniciaria dentro de três anos a partir do lançamento da segunda fase. Esta reunião estabeleceu os parâmetros gerais e datas para a transição em direção à moeda única, o que teve grande relevância prática e simbólica. Inúmeras questões técnicas foram definidas a posteriori.

Existia considerável grau de convergência entre França e Alemanha nas propostas para o formato da economia da futura União Europeia. As propostas alemãs para o funcionamento da economia do continente, em consonância com seus interesses nacionais e que se consagraram em Maastricht, enfatizavam a prevalência da livre competição. A Alemanha propôs, como princípios de política econômica, uma economia de mercado de livre competição com mercados abertos (art. 102b.1), livre escolha do consumidor e livre formação de preços (art. 102b), bem como liberdade de negociação de acordos coletivos salariais – art. 102a (Ungerer, 1997, p. 225).

Nesse período, a Alemanha apresentou proposta para a União Econômica e Monetária. Nesta, os estatutos do Bundesbank foram copiados. Coerente com sua postura na economia a partir de 1983, o governo socialista da França estava de acordo com a ortodoxia econômica alemã e sua “europeização”, que se materializaria na criação da moeda e do Banco Central da Europa nos moldes alemães, porém com sua participação e a dos demais países europeus na gestão. A Comissão Europeia, com seu chamado Relatório Delors, procurou satisfazer a demanda alemã por estabilidade de preços conjugada com o interesse dos demais em participar do processo decisório da política monetária. Os burocratas franceses da área monetária mantinham sua política alinhada à alemã, porém se sentiam incomodados pelo fato da política monetária do SME ser essencialmente conduzida pelo Bundesbank. O primeiro-ministro Michel Rocard argumentava que “nós precisamos reformar o sistema para que as responsabilidades de condução da política monetária europeia sejam divididas de forma mais equitativa”. A França estava de acordo com um Banco Central Europeu independente para satisfazer o Banco Central da Alemanha desde que houvesse um oficial francês com assento no banco (Goodman, 1992, p. 205).

A União Econômica e Monetária avançou com mais facilidade em comparação com as discussões a respeito da reforma institucional por contar com as já existentes conexões entre os bancos centrais da CEE e a hegemonia do pensamento econômico liberal. A união política não contava com o mesmo aparato, tinha grau de convergência menor entre os atores sobre o seu conteúdo e era vista como uma concessão aos alemães (Baun, 1996, p. 619).  O “deficit democrático”, presente nas instituições da CEE e depois na União Europeia, tornou-se bastante evidente no modo de funcionamento que veio a ter o Banco Central Europeu. As regras acordadas em Maastricht garantiram um “insulamento” de seus dirigentes ainda maior que nos bancos centrais nacionais considerados independentes. Nestes, apesar da autonomia em relação às autoridades eleitas, existem mecanismos de prestação de contas e possibilidades legais de influência direta em seu funcionamento, embora os governos prefiram não fazer uso destas prerrogativas. O Banco Central Europeu não tem obrigação legal de se reportar ao Parlamento Europeu, como o faz o Federal Reserve em relação ao Congresso dos Estados Unidos, por exemplo (Cooper, 1994, p. 70).

A liberalização dos movimentos de capital, em escala global e no interior da CEE, levou à crise do Sistema Monetário Europeu. Em 16 de setembro de 1992, por não conseguir manter a libra nos limites cambiais estabelecidos, a Grã-Bretanha deixa o Sistema Monetário Europeu e se afasta definitivamente do projeto da moeda europeia, do qual nunca efetivamente quis fazer parte (Thody, 1997, p. 88). Esta decisão gerou fortes oscilações nos mercados financeiros e dificuldades para os Estados da CEE. Também neste contexto do início da década de 1990, a reunificação da Alemanha, país núcleo e âncora do sistema monetário e econômico europeu, teve como consequência o aumento do endividamento público alemão para gastos nos novos länder (estados) do lado oriental, fato que também contribuiu para alterar as condições de funcionamento do Sistema Monetário Europeu. Argumenta Ahijado sobre a liberalização financeira e seus efeitos.

Assim, a posteriori, pode-se concluir já que, no mínimo, o sistema era instável e, em certas circunstâncias, muito instável. Os movimentos de capitais muito liberalizados previamente à escala internacional, em consequência da primeira globalização, a financeira, foram reforçados pela liberalização dos movimentos dentro da área da UE levada a cabo em 1990. E, neles estava provavelmente a semente da instabilidade. Os governos foram um tanto ingênuos e com eles os seus assessores e os criadores do sistema, embora seja fácil dizê-lo agora, a posteriori. Alguns deles, vários, depois das chamadas tempestades monetárias, queixavam-se amargamente da liberalidade com que os mercados cambiais ou, com maior rigor, os especuladores dentro deles, movimentavam os capitais que desestabilizavam as suas moedas, quando previamente tinham cantado as excelências de um sistema livre e liberal muito aberto e competitivo, como uma variante aplicada agora aos mercados de câmbio da celebração do mercado posterior à queda dos regimes comunistas. A estabilidade só tinha sido postulada e não demonstrada (Ahijado, 1997, p. 78-79).

Explica também o mesmo autor, em texto de 1997, portanto, antes da adoção do euro, acerca dos efeitos[13] da reunificação no Sistema Monetário Europeu:

num primeiro momento, um efeito positivo de caráter expansivo, devido ao aumento da procura e do comércio intracomunitário derivado (…) (entre 1990 e 1991). No entanto, num momento posterior, a política de altas taxas de juros nominais relativas ao resto dos países-membros e o seu papel de âncora do Sistema, ao procurar atrair os empréstimos externos (…) assim como a tradicional luta contra a taxa de inflação restritiva em termos de média (Stabilitätspolitik), tornaram mais grave a espiral deflacionista posta em marcha a partir de 1991-1992 no seio da União, em grande medida provocada, ou consentida, ou estimulada, pelos governos dos países-membros e pela própria Comissão Europeia. Os efeitos negativos da mesma no crescimento econômico e no emprego foram devastadores no seio de toda ela (em conjunção com as restantes pressões deflacionistas de caráter fiscal e cambial que o sistema econômico europeu sofre desde então) ( Ahijado, 1997, p.  101).

Com a crise de 1992, o Sistema Monetário Europeu, de mecanismo com bandas rígidas de flutuação, passou a contar com intervalos possíveis de 15% (de valorização ou desvalorização, o que significava na prática 30%) entre as moedas, o que era quase flutuação livre. Não era mais possível um sistema cambial regional estável no contexto da ampla liberdade de circulação dos capitais. A transição para o euro, adotado em 1999, teve como exigência que os Estados europeus adotassem políticas fiscais restritivas. Tais iniciativas fizeram da década de 1990, na maior parte do tempo e na maioria dos países em transição para a moeda comum, período de elevadas taxas de desemprego e baixo crescimento.

No que diz respeito à moeda comum europeia, o tratado assinado na cidade de Maastricht findou um processo político iniciado em 1969, em reunião na também holandesa Hague. Neste momento histórico, os Estados Unidos encontravam-se na condição inédita de superpotência única do planeta e comandariam, na década de 1990, um novo período de liberalização financeira e comercial no mundo. Neste contexto, a Alemanha reunificada transformaria o leste europeu em sua área de influência direta, como destino de exportações e investimentos, e começaria parcerias econômicas com a Rússia, especialmente na área de energia. Os países do leste europeu se incorporariam à União Europeia, em sua maioria, a partir de 2004. A mudança na ordem política mundial, na virada dos 1980 para os 1990, deixou para trás os 45 anos de constrangimento à expansão econômica e política alemã para o leste. O que tornaria reais, com a crise na zona do euro a partir do final da década de 2000, os piores temores dos críticos da concepção germanizada de moeda europeia estabelecida em Maastricht.

6  CONCLUSÕES

A partir do estudo do processo político de criação da moeda comum europeia, que se deu entre 1969 e 1993, foram elaboradas as seguintes hipóteses acerca deste:

  1. existe uma vinculação necessária, nesta questão, entre política e economia e entre geopolítica e geoeconomia, prevalecendo decisões de natureza política, tanto no que importa ao interesse nacional dos principais atores – França e Alemanha – quanto, em segundo plano, no que importa ao projeto de integração europeu, sobre as questões mais estritamente macroeconômicas e as instabilidades dos mercados financeiros;
  2. a moeda europeia tem caráter defensivo, com seu desenvolvimento ao longo do tempo ocorrendo de maneira condicionada às decisões do hegemon. As decisões mais importantes relacionadas ao processo de criação da moeda europeia no tempo histórico abrangem o Encontro de Hague e o Plano Werner (1969-1970), a criação da “serpente monetária” (início em 1972), o advento do Sistema Monetário Europeu (com início em 1979), a reunificação da Alemanha (1990) e o Tratado de Maastricht (1993), bem como estão relacionadas às iniciativas da potência hegemônica global, os Estados Unidos, nos campos estratégico e econômico;
  3. a moeda europeia nunca foi projeto comum de França e Alemanha. Sua implementação foi defendida por um ou outro, em diferentes conjunturas, ao longo de seu processo de criação. Assim como em nenhum momento foi meta destes países o estabelecimento de um Estado europeu, estrutura faltante e no cerne dos problemas enfrentados pela moeda europeia nos anos recentes; e
  4. a moeda comum europeia foi o resultado de um período histórico específico, de bipolaridade geopolítica e ideológica global, e de uma determinada correlação de forças entre os principais Estados europeus, que dava certo significado ao processo europeu de integração, específico destes anos de Guerra Fria.

A compreensão da história que deu origem ao euro fornece estas hipóteses e explica o cerne de seus problemas atuais. Produto de um período histórico específico, o surgimento da moeda deu-se em momento de hegemonia do pensamento econômico conservador, de ascensão da posição da Alemanha na Europa e do fim da bipolaridade geopolítica entre as superpotências, situação que ensejava coesão ao projeto europeu. Sem o objetivo político claro de construção de economia continental realmente integrada e conservando antigas assimetrias, a zona do euro passou, após o crash de 2008, a viver em crise permanente. Os problemas financeiros da Grécia e o desemprego muito elevado neste país, assim como em Portugal e na Espanha, são exemplos das vicissitudes enfrentadas pela economia europeia, fato também evidenciado pela semiestagnação francesa e pela precarização do trabalho na Alemanha.

O fim da “cortina de ferro” e da URSS reduziu a necessidade de concessões dos alemães aos seus parceiros na União Europeia. A inabilidade política da liderança alemã atual – na pessoa de Angela Merkel, que se limita a defender a ferrenha aplicação da ortodoxia fiscal nos países mais afetados pela crise, sem propor qualquer alternativa conjunta que restabeleça as condições para o crescimento econômico e a geração de empregos – pode pôr o projeto do euro e da própria União Europeia em xeque no futuro. A eleição do partido de esquerda Syriza,na Grécia, foi um protesto dos desempregados, jovens e afetados pela redução da previdência pública. Sua capitulação, após a realização de plebiscito no qual o eleitor grego disse “oxi” (não, em grego) às políticas de austeridade, foi resultado de forte pressão alemã nos bastidores das negociações. O novo pacote de auxílio aos gregos, com vigência até 2018, deu nova sobrevida à Grécia no euro, mas é provável que a questão da dívida volte a ser um problema no futuro. Não há perspectiva de melhora econômica e redução substancial do desemprego no país. Ganhou-se tempo, mas os problemas (dívida alta, baixo crescimento, alto desemprego) continuam. Legendas, em vários países, nos dois extremos do espectro político, despontam como alternativas, algumas delas francamente contrárias ao euro e à União Europeia. Neste ano, a Grã-Bretanha decidirá se permanece ou não na União Europeia.

Como colocado, os sinais não são animadores na atualidade e apontam para uma crise sem perspectiva de superação por longo tempo. Como destacaram os autores Paul Hirst e Grahame Thompson, a União Europeia é uma nova aventura para a qual os modelos políticos precedentes não têm serventia. E nesta perspectiva é que se coloca o principal desafio da Europa: superar a estrita lógica de disputa de poder do sistema político interestatal regional ou – permanecendo como bloco, com a atual organização política – enfrentar o risco de um processo de desagregação.

Foto: Marcos Santos/ USP Imagens

Wagner Sousa é Doutor em Economia Política Internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Editor de América Latina

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Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada


[1] . Este Texto para Discussão constitui uma síntese da tese de doutoramento (Sousa, 2013).

[2] . Grupos de pressão, como o Monnet’s Action Council for the United States of Europe, defendiam anteriormente uma moeda para a Europa sem, contudo, conseguirem influenciar os Estados. Em 1962, um ambicioso Action Programme for the Second Stage of the Common Market, formulado pelo francês Robert Marjolin para a Comissão Europeia (esta presidida pelo alemão Walter Hallstein), propunha a reforma do sistema financeiro internacional, com uma postura mais “ativista” da CEE e a adoção de uma moeda europeia. Em nome da aliança transatlântica, tal ideia foi rechaçada pelo presidente do Bundesbank à época, Karl-Heinz Blessing. Outra proposta de criação de uma moeda europeia, do então ministro das Finanças francês, Giscard d’Estaing, em 1965, foi mal recebida pelo presidente Charles de Gaulle. Giscard d’ Estaing deixou o cargo em janeiro de 1966.

[3] . A primeira diretiva com vistas à abertura dos mercados de capitais foi adotada em 1960 (os Estados se comprometeram a liberalizar créditos comerciais de médio e curto prazo, investimentos diretos etc.), longe, porém, da grande liberalização que se acentuou a partir dos anos 1980, marcou, contudo, o início do processo. Em 1964, a terceira diretiva com vistas à integração financeira foi submetida ao Conselho Europeu, porém não adotada. Com o objetivo de revitalizar a discussão, a Comissão Europeia encomendou estudo a grupo de experts coordenado por seu diretor, Claudio Segré, sobre a integração dos mercados nacionais de capitais. O Relatório Segré destacou as ligações entre liberdade de movimento de capitais e progressos em outras áreas, como a política monetária e a política econômica, em um sentido mais amplo. O documento defendeu a remoção dos obstáculos aos movimentos de capital, como as diferentes regulações e regimes fiscais domésticos.

[4] . A Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa (CSCE) ocorreu em Helsinque, Finlândia, nos meses de julho e agosto de 1975 como resultado da détente entre Estados Unidos e URSS, iniciada em fins dos anos 1960. Ocorreram reuniões entre os Estados membros (Estados Unidos, Canadá, Estados europeus, URSS, Turquia e Mongólia) com periodicidade arbitrária até 1990. A partir do Encontro de Paris, em 1990, já sob a perspectiva do pós-Guerra Fria, criou-se a Organização para Segurança e Cooperação Europeia (OSCE).

[5] . Segundo Magnifico (1973, p. 6), o crescimento econômico era central na concepção do Plano Werner, claro no subtítulo de uma de suas partes Growth as the ultimate economic objective of integration.

[6] . “Poder estrutural” na tradução da definição de Susan Strange (1994, p. 24-25): “Poder estrutural é o poder de definir as estruturas da economia política global nas quais estão inseridos e operam os outros Estados, suas instituições políticas, suas empresas e (não menos) seus cientistas e outros profissionais”.

[7] . Nessas discussões, “o” segundo estágio se torna “um” segundo estágio, já demonstrando, naquele contexto, a redução de ambição do projeto monetário europeu (Tsoukalis, 1977, p. 151-154).

[8] . A criação do Sistema Monetário Europeu, portanto, pretendia evitar grandes oscilações entre as moedas do continente, principalmente pela coordenação mais eficiente das taxas de câmbio, com novos mecanismos de intervenção. Foi definida a criação da European currency unit (ECU), cerne do novo modelo, unidade contábil criada a partir do peso relativo das economias nacionais, tendo em consideração o tamanho de seu produto interno bruto (PIB). O marco alemão passou a representar 30% da cesta de moedas, sendo considerado, assim, a “moeda âncora” do Sistema Monetário Europeu. A ECU foi o embrião do que viria a ser o euro. O Sistema Monetário Europeu, contudo, não se operacionalizou exatamente como pretendido pelos franceses. Em sua condição de país de “moeda fraca”, no contexto monetário europeu, procurou estabelecer mecanismos de transferência de recursos dos países de moeda forte para os demais. Na questão cambial, a proposta do basket method, com a qual os franceses esperavam ter vantagens cambiais, foi derrotada pela defesa alemã do parity grid system. Esta decisão foi tomada no encontro bilateral em Aachen (local de grande valor simbólico para as tratativas franco-alemãs, a cidade alemã de Aachen esteve no centro do império carolíngio, considerado origem comum histórica e cultural das duas nações), nos dias 14 e 15 de setembro de 1978, no qual os franceses concordaram com o sistema proposto pelos alemães e reconheceram as dificuldades técnicas de gestão de seu sistema de “cesta de moedas”.

[9] . De acordo com Eichengreen (2000, p. 211), os franceses, em relação à operação do Sistema Monetário Europeu, “procuraram fortalecer os poderes de monitoração da Comissão Monetária da Comunidade Europeia com o objetivo de criar um organismo da CE perante o qual as autoridades encarregadas das políticas monetárias nacionais pudessem ser responsabilizadas. (…) autorizando os governos a sacar um volume ilimitado de créditos (…) parecendo obrigar os países de moeda forte a prestar ajuda ilimitada aos seus parceiros de moedas fracas (…) porém, nenhuma das provisões do novo sistema funcionou como pretendido pela França e pelos pequenos países da CE que dependiam da política alemã”.

[10] . Gilpin (2004, p. 266) enfatiza que, “No espírito liberalizante que norteou a construção da economia regional europeia, o Ato Único Europeu, de 1986, acelera o processo de integração ao prever, para o início de 1993, a criação de um livre mercado entre os países que fosse base de uma posterior união monetária, que fossem removidas até o fim de 1992 todas as barreiras à livre movimentação de capitais, bens, serviços e pessoas dentro da Comunidade Europeia. (…) Os dirigentes europeus acreditavam que o dinamismo desse mercado revitalizaria a economia europeia e capacitaria o continente a desenvolver grandes corporações multinacionais preparadas para competir eficazmente com suas rivais americanas e japonesas”.

[11] . Segundo Judt (2007, p. 633): “A Primeira-ministra Margaret Thatcher não escondia seus temores. Em suas memórias, ela relembra uma reunião convocada às pressas com o presidente francês [François] Miterrand: ‘Tirei da bolsa um mapa que exibia as diversas configurações da Alemanha no passado, o que não pronunciava um futuro dos mais tranquilos (…). [Miterrand] disse que, no passado, em momentos de grande perigo, a França sempre mantinha relações especiais com a Grã-Bretanha, e que ele achava que estávamos diante de mais um desses momentos. (…) Ocorreu-me que, embora não houvéssemos descoberto o meio de fazê-lo, ao menos nós dois queríamos deter a destruidora força germânica. Já era um começo”.

[12] . A ordem sobre a qual foi construída a Comunidade Europeia estava assentada nos acordos que visavam primordialmente à segurança. Sobre qualquer ilusão acerca de um “poder civil europeu”, divorciado das questões geopolíticas, Wallace explica, em tradução livre: “A ordem regional europeia a qual outros autores analisaram pelo prisma da integração regional é, claramente, não a Europa como um todo, mas a Europa Ocidental – e nesta não a Europa Ocidental como um todo mas aquelas nações (um pequeno grupo inicial mais importante) que se uniram na Comunidade Econômica Europeia. A história da integração europeia é em si uma área em disputa, com seus próprios mitos. Um dos mitos centrais é o de que a Europa Ocidental é um “poder civil”, atrás de objetivos econômicos e sem necessidade de política de poder (Clausewitz). Na realidade, o essencial no processo de integração da Europa Ocidental foi embasado sobre uma ampla estrutura de segurança e construído em larga medida tendo que se defrontar com dilemas de segurança envolvendo a França, os países Benelux (na sigla, em inglês: Bélgica, Holanda e Luxemburgo) e a Alemanha dividida” (Wallace, 1995, p. 208).

[13] . Ninkovich destaca as contradições entre as necessidades econômicas da reunificação alemã e a “economia da europeização”, objetivo primordial dos acordos de Maastricht. Afirma Ninkovich (1995, p. 177), em tradução livre: “A precondição inicial para a reunificação alemã era a sua integração em uma estrutura federativa europeia alargada, tal como a Comunidade Europeia. Em realidade, também Kohl [Chanceler] e Genscher [Minstro das Relações Exteriores] procuravam colocar sempre a Alemanha no papel de “bom europeu”. “A Alemanha é a nossa pátria, a Europa o nosso futuro”, dizia o programa eleitoral de 1990 dos democrata-cristãos. (…) A Europeização da Alemanha deveria se dar rapidamente para se concretizar. Entretanto, a sucessão de eventos mostraram rapidamente que os proponentes da unidade europeia estavam sendo bastante otimistas. Não apenas havia resistência popular à perda de soberania no continente, como na Alemanha as políticas do Bundesbank deixavam claro que o financiamento da unificação alemã conflitaria com a economia da europeização”.

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