As eleições de 01/07/2018 no México com a vitória do candidato de esquerda à Presidência da República, Andrés Manuel López Obrador (AMLO) foram, talvez, o encerramento de um ciclo. Este iniciou-se em 1988, trinta anos atrás, portanto, com a eleição de Carlos Salinas de Gortari à Presidência do México. Três décadas de políticas neoliberais em que o Partido Revolucionário Institucional (PRI) e o Partido da Ação Nacional (PAN), ambos de centro-direita, se revezaram no poder. Privatizações, abertura econômica, acordos comerciais (em que se destaca o NAFTA, com EUA e Canadá), controle dos gastos públicos e da inflação. O México foi aluno aplicado da receita do Consenso de Washington, o receituário liberal prescrito no início dos anos 1990 pelos organismos internacionais fortemente influenciados (ou, dizendo de forma mais direta, controlados) pelos Estados Unidos como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial. Os resultados são bastante ruins. Uma taxa média de crescimento em torno de 2,5% a partir de 1990, insuficiente para um país em desenvolvimento como o México melhorar as condições de vida da população, gerar os empregos e a renda necessários e aumentar substancialmente os investimentos públicos em educação, saúde, infraestrutura e ciência e tecnologia. A isso se soma um desalento comum na América Latina referente à questão da corrupção e o aumento exponencial do poder do narcotráfico e dos assassinatos a ele associados. Além disso o México passou a contar com um presidente vizinho hostil ao norte, embora Trump tenha cumprimentado AMLO pela vitória e tuitado que deseja trabalhar com ele.
Como Lula, na campanha eleitoral de sua primeira vitória, em 2002, López Obrador procurou temperar a mensagem da mudança esperada por um eleitorado frustrado e composto por muitos jovens com poucas oportunidades (empregos escassos e mal remunerados), nomeando-a como “quarta revolução” (as outras seriam a Independência em 1821, a da Reforma de 1858 a 1861 e a Revolução de 1910) com um discurso de apaziguamento com os setores empresariais proclamando que não haverá rupturas, confiscos e que respeitará a “liberdade empresarial”. Contudo, promete mais intervenção do Estado na economia mexicana.
AMLO foi derrotado em suas tentativas anteriores de chegar à Presidência: em 2006, por estreita margem (com sérias suspeitas de fraude na apuração) e em 2012 por margem maior. Se tivesse vencido em 2006 o México teria se somado à “onda rosa” de vitórias da esquerda na América Latina dos anos 2000 e o rumo do país teria sido diferente, com políticas semelhantes a outros países latino-americanos. O Brasil de Lula, por exemplo, não rompeu com o mercado financeiro e manteve o pagamento da dívida pública e o controle da inflação, porém aumentou o salário mínimo, os gastos sociais (especialmente com educação) e procurou recuperar os investimentos públicos em infraestrutura e o papel das estatais, principalmente da Petrobrás, no desenvolvimento nacional. A Bolívia de Evo Morales se caracterizou por uma gestão macroeconômica ortodoxa, mas que soube aproveitar a renacionalização da produção de gás e a alta dos preços para distribuir renda e fazer investimentos sociais. A Argentina dos governos Kirchnner, que sofreu consideravelmente com o radicalismo neoliberal da gestão de Carlos Menem nos anos 1990, teve gestão mais heterodoxa na economia e também foi beneficiada pelo ciclo de alta das commodities para estimular o crescimento econômico com distribuição de renda. O México, diferentemente de grande parte da região, seguiu na trilha neoliberal e das políticas preferidas pelo “mercado”.
No poder, López Obrador promete mudar a gestão da petrolífera Pemex (Petróleos Mexicanos), fazendo-a investir no refino em território nacional. Atualmente, à semelhança do se passou a fazer no Brasil do ilegítimo Presidente Temer, o México tem se especializado na produção e venda de óleo cru e comprado o produto refinado. AMLO quer mais controle nacional sobre a produção de eletricidade com redução dos preços e estabelecer nova relação com o funcionalismo público, atualmente em conflito com a administração federal.
No México elegeu-se o esquerdista AMLO. No Reino Unido, aumenta o prestígio do trabalhista de velha cepa Jeremy Corbyn. Em outros países como EUA e Itália uma combinação de direita e extrema-direita já está nos governos. Há uma frustração generalizada com a situação social legada por quase quarenta anos de neoliberalismo no mundo, no qual perde espaço os centristas, sejam eles mais à esquerda ou mais à direita e ganham destaque os vistos como originalmente de esquerda ou direita, no caso da direita com grande crescimento da extrema- direita. O México, com o Obrador, terá o desafio de combinar a mudança social esperada sem ruptura total com o modelo econômico atualmente vigente. O cenário internacional não é o mesmo de boom das commodities que impulsionou a economia latino-americana nos anos 2000. A economia do México é mais dependente das exportações industriais para os EUA das filiais de empresas norte-americanas lá instaladas. Não é o mesmo tipo de dependência que tem Brasil e Argentina das exportações de produtos agrícolas e minérios, com destaque para o mercado chinês, que tornou-se o principal mercado para os dois países. Encontra neste momento o desafio do nacionalismo econômico de Trump, que quer rever o NAFTA (acordo de livre-comércio da América do Norte) e aumentar a produção industrial e as exportações industriais dos Estados Unidos. Portanto, Andrés Manuel López Obrador terá um desafio nada fácil nos seis anos de governo previstos para o seu mandato.
Foto: Presidência do Peru/ Fotos Públicas
Texto originalmente publicado em 2018.
Wagner Sousa é Doutor em Economia Política Internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Editor de América Latina.