O vitorioso das eleições presidenciais brasileiras, que tiveram o segundo turno em 28 de outubro 2018, o ex-capitão do exército Jair Messias Bolsonaro, através do anúncio dos nomes do seu ministério e declarações do próprio, além daquelas de seus futuros ministros e subordinados tem mostrado ainda mais o caráter e as intenções do futuro governo do Brasil, a partir de 1º de janeiro de 2019.
A coalizão sócio-política que sustenta esse projeto agrega militares, evangélicos, ruralistas, empresários, egressos do mercado financeiro. O principal ministro do futuro governo, o da Economia, é o financista Paulo Guedes, um ultraliberal com doutorado na Universidade de Chicago. Reforma da previdência, menos direitos trabalhistas (o futuro governo já anunciou o fim do octagenário Ministério do Trabalho), privatizações e ajuste fiscal com redução do Estado deverão ser a tônica da gestão na economia, uma continuação do governo Temer. Um núcleo de empresas públicas (a Petrobrás, a Eletrobrás, os bancos públicos federais) podem ser mantidos por opção do presidente e influência da ala militar do governo, que tem sete ministros militares, mais até do que em governos do período da ditadura militar (1964-1985).
O Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, vem destoando da tradição diplomática brasileira que, mais liberal ou estatista em relação à economia, a depender do governo de turno, sempre se pautou pelo pragmatismo. O futuro Chanceler vem defendendo alinhamento estrito com os EUA na defesa do que considera como “valores ocidentais”. Esquerda e direita liberal seriam “globalistas”, antinacionais. Pactos multilaterais seriam a expressão desse globalismo e o governo Bolsonaro já anunciou que a prioridade serão os pactos bilaterais. A adesão ao governo Trump (o filho do presidente eleito, o deputado Eduardo Bolsonaro, em viagem aos EUA ostentou boné com os dizeres “Trump 2020”, em clara alusão à campanha para reeleição do republicano) e aos EUA e a sinalização de transferência da embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, assim como as críticas do futuro mandatário à China (o principal parceiro comercial do Brasil) podem se revelar problemáticas para o país em suas relações com o gigante asiático e também com os países árabes. Nas questões ambientais, onde o Brasil passou a atuar com desenvoltura, especialmente a partir da década de 2000, e ser um ator importante internacionalmente, o novo governo já vem impondo retrocessos. O governo Temer, a pedido da nova gestão, comunicou a desistência brasileira em sediar a conferência do clima da ONU, em 2019.
Meio-ambiente, relações com temas indígenas (o novo presidente é contra novas demarcações de terras), questões relativas à direitos de minorias apontam para retrocessos. A visão ambiental do novo governo parece remeter ao período da ditatura que via, por exemplo, a floresta amazônica como um entrave a ser removido para o desenvolvimento do país. A nova ministra da pasta da “Mulher, Família e Direitos Humanos”, uma pastora evangélica, já se declarou contrária ao aborto e defende que a mulher deveria voltar a um papel doméstico, cuidando dos filhos, sendo o trabalho fora de casa um ônus. Na questão educacional um acadêmico ultraconservador nomeado Ministro da Educação pretende fazer valer as diretrizes do projeto “Escola sem Partido”, uma pauta autoritária que quer tirar dos professores o seu direito constitucional de expor suas posições políticas com a defesa de uma suposta “neutralidade” ideológica em sala de aula. Na verdade, o que se quer é calar os professores com postura crítica às desigualdades e injustiças. O próprio presidente eleito gravou vídeo estimulando alunos a denunciarem professores “ideológicos”, os filmarem com o celular. Essa espécie de macarthismo será um teste para as instituições brasileiras, em especial o Supremo Tribunal Federal, o guardião da Constituição Federal. Judiciário e Ministério Público serão testados no próximo governo, que tem tendências autoritárias, a começar do presidente. MP e Judiciário, em associação com a grande imprensa, contribuíram para a desestabilização política no Brasil nos últimos anos, com a seletividade de suas ações em direção ao então partido no governo, o Partido dos Trabalhadores, e na execução de um punitivismo de “justiça-espetáculo”, com farta cobertura midiática, em geral sensacionalista, e vazamentos de investigações sigilosas aos órgãos de mídia. A maneira como se conduziram as investigações de corrupção, muitas vezes desrespeitando a lei e os direitos dos réus impuseram danos a todo o sistema político brasileiro, todos os partidos tradicionais saíram menores da última eleição. O partido de extrema-direita de Bolsonaro foi o que mais cresceu na câmara baixa do parlamento aproveitando-se desse descontentamento.
No campo econômico o novo governo e a burguesia brasileira parecem fortemente imbuídos do intento de aprofundar o ajuste liberal (que já vem sendo bastante danoso desde 2015, ainda com Dilma Rousseff, impondo baixo crescimento econômico e retrocesso nos indicadores sociais) e avançar sobre o que foi erigido no período desenvolvimentista (1930-1980), o período histórico em que a economia brasileira mais cresceu, com um novo processo de privatizações.
O Brasil não está sozinho na emergência do radicalismo de direita. O sociólogo alemão Wolfgang Streeck defende que o capitalismo neste períod histórico necessita de instituições mais autoritárias para impor a ordem frente ao aumento da desigualdade. Porém o país, como outros países em desenvolvimento, vinha conseguindo reduzir a desigualdade, mesmo com o aumento contínuo desta no centro capitalista, o que se verificou na década de 2000. Com Bolsonaro o que se espera é mais neoliberalismo. A que custo? O futuro dirá.
Foto: Rovena Rosa/ Agência Brasil
Texto publicado originalmente em 2018.
Wagner Sousa é Doutor em Economia Política Internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Editor de América Latina