1. O panorama histórico da corrupção
A história política recente do Peru foi marcada pela presença de políticos que seguiram as receitas econômicas neoliberais ao pé da letra, combinando-as com uma pregação sobre o crescimento econômico surpreendente que trariam e, ao mesmo tempo, alimentando uma corrupção implacável em todas as esferas do poder.
Na década de 1990, Alberto Fujimori conseguiu se tornar presidente do Peru defendendo a luta contra a corrupção que, na época, assolava a política peruana. Depois de alguns anos, descobriu-se que Fujimori liderava uma estrutura de corrupção complexa e eficiente e que seus numerosos atos de autoritarismo eram a cortina de fumaça perfeita para esconder o comportamento imoral presente em todos os níveis da sua administração.
A Constituição liberal de 1993 foi adotada pelo Peru com a esperança de inaugurar uma nova era de prosperidade, distante de um passado vergonhoso. As condições econômicas gerais da nação peruana melhoraram embora, como sempre acontece com o neoliberalismo, a desigualdade se aprofundou, criando abismos entre as classes dominantes e os despossuídos. A corrupção continuou a florescer sem obstáculos em seu caminho para o triunfo.
Alguns governos e escândalos depois, apareceu o empresário Pedro Pablo Kuczynski precisamente como o novo defensor da honestidade, que baniria Fujimori de uma vez por todas, nessa época sinônimo de corrupção. Nas eleições de 2016, Kuczynski derrotou Keiko Fujimori, filha de Alberto Fujimori, em uma disputa acirrada. Enquanto o fujimorismo conseguiu a maioria no Congresso e, consequentemente, o controle do poder legislativo.
Quando Pedro Pablo Kuczynski iniciou seu mandato, as revelações dos subornos da Odebrecht começaram a cercá-lo por todos os lados – a ponto de obrigá-lo a renunciar no vigésimo mês de sua gestão. Diga-se de passagem, ele foi o primeiro presidente latino-americano indiciado no escândalo de corrupção dessa construtora.
A Constituição peruana prevê a existência de duas vice-presidências na ordem de sucessão presidencial, a primeira vice-presidência era ocupada por Martín Vizcarra, engenheiro civil que havia ingressado na política poucos anos antes. Assim, quando Pedro Pablo Kuczynski decide renunciar ao cargo para evitar demissão por incapacidade moral, Vizcarra, que além da vice-presidência ocupava o cargo de embaixador peruano no Canadá, experimenta uma inesperada assunção ao posto de líder da nação.
2. A ascensão de Vizcarra
Alguns anos antes, Kuczynski havia proposto a primeira vice-presidência a Martín Vizcarra com base em seu crescente prestígio político – conquistado pela participação deste em algumas lutas populares relacionadas aos conflitos no setor de mineração.
Martín Vizcarra entrou na política em 2006, mas foi apenas em 2008 que alcançou notoriedade, ganhando visibilidade em um protesto popular que pretendia conseguir uma distribuição mais equitativa do imposto sobre a mineração para a região de Moquegua. Este conflito envolveu também a região mineira de Tacna. O protesto levou a uma greve geral na região, o que catapultou a popularidade de Vizcarra.
Para entender o contexto do protesto e a ascensão de Vizcarra, é preciso saber que na região de Moquegua, localizada no sul do Peru, existem importantes reservas de cobre que são exploradas pela empresa Anglo American operada com capital sul-africano e britânico. Esta empresa tentou explorar o projeto de mineração de Quellaveco que afeta a reserva hídrica de Pasto Grande, porém, essas obras foram adiadas indefinidamente.
Após o sucesso do protesto, em 2011, Vizcarra foi eleito governador de Moquegua com mandato até 2014. Esse período a frente da região serviu para consolidar sua popularidade, ao conseguir uma melhora substancial do sistema educacional da região. Nessa época foi assinado também o acordo de Quellaveco, que representou um aumento significativo da produção do setor de mineração, embora suscitando graves preocupações ambientais.
Em 2016, como já foi dito, assumiu a primeira vice-presidência da República do Peru.
3. A presidência de Vizcarra
Dia 23 de maio de 2018, Vizcarra se tornou presidente do Peru, anunciando um programa de governo voltado ao combate da corrupção. O início de seu mandato contou com o consentimento tácito da maioria fujimorista do parlamento. Mas as boas relações entre o Congresso e Vizcarra terminam em 14 de junho de 2018, quando o legislativo aprovou uma lei que proibia o executivo de gastar com publicidade. Pouco tempo depois, essa lei foi revogada pelo Tribunal Constitucional. Novos atritos surgiram quando Vizcarra tentou levar a cabo um processo de expurgo no judiciário, cuja reputação de corrupção havia atingido o extremo ao vir à tona o tráfico de influência e o leilão de sentenças. Quando isso aconteceu, nos corredores do Parlamento já se aventava a possibilidade de destituir o presidente. Ao que Vizcarra reagiu ameaçando dissolver o Congresso.
Em 9 de dezembro de 2018, Vizcarra propôs uma reforma constitucional que proibia a reeleição de parlamentares, ao mesmo tempo que, em mensagem à nação, propôs antecipar as eleições de 2021 para acabar com a crise política provocada pelo choque de poderes. A reforma constitucional foi rejeitada pelo Congresso fujimorista e as tensões se agravam, chegando ao ápice quando a maioria dos legisladores tentou eleger novos magistrados para o Tribunal Constitucional. Neste momento, Vizcarra utiliza um instrumento político denominado “Questão de Confiança” que, de acordo com a Constituição, permite dissolver o Congresso. Em resposta o Parlamento declara a incapacidade moral de Vizcarra e a vacância da presidência.
Este estado insustentável das instituições políticas (com um Congresso dissolvido e um presidente demitido) encontra uma solução quando, após três meses de conflito, o Tribunal Constitucional dá razão a Vizcarra.
Em todo caso, as eleições para o novo Congresso se realizam em janeiro de 2020 e, com isso, os fujimoristas perderam sua hegemonia parlamentar. Pouco tempo depois, estourou a crise sanitária do Corona-vírus e teve início uma longa quarentena – que durou 100 dias. Em março surgiu um escândalo que manchava a boa reputação de Vizcarra. Para entender melhor o ocorrido, é preciso ter em mente que a política peruana tem estreita relação com o meio artístico popular, o que leva a existência de uma miríade de tabloides nos quais se mescla política e entretenimento. Nesse contexto, a ministra da Cultura Sonia Guillén é obrigada a renunciar devido a contratação irregular do cantor Richard Cisneros, cujo pseudônimo artístico é Richard Swing. Aparentemente, esse músico popular foi contratado diversas vezes como palestrante e animador, sem ser credenciado para desempenhar essas atividades. A revelação deste escândalo foi um grave constrangimento para o governo de Vizcarra. Em setembro, o deputado Edgar Alarcón revelou gravações em que Vizcarra sugeria que dois funcionários mentissem na investigação desses contratos. Vizcarra conseguiu escapar também desse novo processo de impeachment. Contudo, existem depoimentos que afirmam terem fido cometido atos de corrupção também durante o governo dele em Moquegua. O que leva a um novo processo de impeachment, no qual são alcançados os votos necessários e, pela segunda e última vez, é declarada a incapacidade moral de Martín Vizcarra e a vacância da presidência.
4. Os cinco dias de Merino
Manuel Merino, na qualidade de Presidente do Congresso e antes da renúncia dos vice-presidentes, assumiu o poder em 10 de novembro e renunciou dia 15, por causa das grandes mobilizações populares que demonstraram a indignação generalizada com o colapso institucional do Peru. Merino é originário do estado de Tumbes, no norte do Peru, e atua como legislador desde 2001.
As manifestações começaram como expressões isoladas de apoio a Vizcarra, mas cresceram como expressão do descontentamento geral com a classe política peruana e sua eterna dança de ambições privadas. A partir de então, assumiu a presidência Francisco Sagasti, ex-colaborador das ditaduras militares dos anos 70 e do ex-presidente Alan García.
5. O longo casamento entre neoliberalismo e corrupção
Alejandro Toledo seguiu o caminho neoliberal concentrando-se nos processos de privatização e na redução do tamanho do Estado. O mesmo aconteceu com Ollanta Humala, que apesar de suas reivindicações nacionalistas, não se afastou muito da linha de seus antecessores. Alan García, cujo primeiro mandato foi mais de esquerda, no segundo mandato presidencial cedeu à tradicional política neoliberal. Pedro Pablo Kuczynski já chegou ao poder com aura de empresário de sucesso e apóstolo do mercado livre.
Os vários presidentes que se sucederam de 1990 até hoje foram, sem exceção, acusados de corrupção. Todos esses presidentes também, de uma forma ou de outra, adotaram programas econômicos neoliberais em uma corrida cega para melhorar o desempenho econômico de seu país. Mas as receitas neoliberais estão destinadas a criar riqueza para poucos e marginalizar a maioria. Assim, as enormes lacunas de desigualdade se aprofundam na sociedade peruana.
Tradução: Bruno Roberto Dammski
Foto: Presidência do Peru
Carlos García Torres Ph.D.
COORDENADOR DA CÁTEDRA UNESCO DE ÉTICA Y SOCIEDAD EN LA EDUCACIÓN SUPERIOR
UTPL – Universidad Técnica Particular de Loja – Equador
Doutor em Saúde e Ciências Sociais (UNED) Espanha.
Doutor em Jurisprudência (Universidade Nacional de Loja) Equador.
Mestre em Gênero, Equidade e Desenvolvimento Sustentável (Universidade Técnica de Ambato) Equador.
Bacharel em Direito (Universidade Nacional de Loja) Equador.
Licenciatura em Ciências Sociais, Políticas e Econômicas. (Universidade Nacional de Loja) Equador.
Bolsista Fulbright na Universidade de Massachusetts, em Amherst.