A Argentina está próxima de um novo default da “sua” dívida. “Sua” porque o ciclo da dívida na Argentina – como na maior parte dos países em desenvolvimento – é sempre um processo complexo de fatos em que a injustiça é, na maioria das vezes, a regra. Em grande parte dos casos, é um processo intrincado em que credores financeiros e elites irresponsáveis e cooptadas conspiram contra o desenvolvimento. Poucos se beneficiam disso, mas todos nós pagamos a conta. É como uma bola de neve que continua crescendo – não importa quanto os países paguem –, o que limita consideravelmente o presente, o futuro e as possibilidades reais de um caminho de desenvolvimento sustentável.
A atual reestruturação da dívida argentina é consequência do terceiro ciclo de endividamento desse país. O contexto internacional em que tal processo de reestruturação estava acontecendo mudou de forma drástica recentemente por causa da difusão da pandemia de COVID-19, tornando-se mais incerto. Os governos de todos os países tiveram que promover quarentenas generalizadas e, consequentemente, frear a economia mundial. A resposta nos países desenvolvidos foi promover importantes pacotes de estímulo fiscal e monetário, o que levou a redução das suas taxas básicas de juros. Os países emergentes, com menos espaço fiscal, também promoveram tais medidas, contudo, eles sofreram um significativo fluxo de saída de capitais e muitos deles estão em risco não apenas de uma crise humanitária, mas também de uma crise fiscal. Para Argentina, antes da pandemia a dívida era difícil de pagar, agora é simplesmente impossível.
Recentemente, o governo de Alberto Fernandez está tentando reestruturar 21 títulos, num total de U$S 66, 2 bilhões. A nova estratégia de gestão da dívida tem como objetivo recuperar a sua sustentabilidade com base em três eixos: extensão dos prazos e da carência da nova estrutura da dívida, redução significativa das taxas de juros e redução do capital devido para garantir a solvência.
A oferta apresentada pelo governo, em termos gerais, visa atingir uma redução média de 63% nos juros, de 5,4% do principal e obter uma carência de três anos para os novos títulos. No que diz respeito aos títulos elegíveis, o governo oferece um total de 10 novos instrumentos, com vencimentos para 2030, 2036, 2039, 2043 e 2047 e com diferentes taxas de câmbio. Essa oferta almeja que os novos títulos tenham em média juros de 2,6%, sem pagar nada até 2023 e começando a aumentar os cupons a partir de então.
Tal proposta obteve grande consenso interno, alguns líderes mundiais também a apoiam e mais de 140 economistas renomados defendem a ideia, entre eles o prémio Nobel Joseph Stiglitz, Edmund Phelps, Mariana Mazzucato, Jeffrey Sachs e Yu Yongding.
É difícil saber o que vai acontecer em meio a tantas mudanças em escala mundial. Entretanto, é provável que os credores não concordem com a proposta. A Argentina vai precisar encontrar cada vez mais aliados políticos para contornar seus problemas financeiros nesse particular contexto mundial.
A situação levanta vários questionamentos. É possível pagar uma dívida questionável em um contexto de pandemia? Quantos países vão decretar default se o sistema financeiro não fizer concessões? É moral fazer com que países em desenvolvimento mergulharem em crises de dívida cíclica que nunca resolvem seus problemas, ao contrário, criam mais? O sistema financeiro vai continuar com essa lógica de banalidade do mal que dá suporte a concentração de renda e condena a grande maioria da população à pobreza sem nenhum tipo de responsabilidade?
A China está ampliando seu papel de jogador nesse sistema. Os empréstimos podem ser vinculados a projetos e soluções de desenvolvimento verdadeiros. Se o mundo está tomando um novo caminho de desenvolvimento, promovendo uma comunidade que partilhará o futuro, o rumo atual das instituições financeiras precisa ser repensado.
Foto: Banco Central da Argentina. Crédito: BC Argentina.
Tradução: Bruno Roberto Dammski
Maria Jose Haro Sly é socióloga, nascida na Argentina. Mestre em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina e mestranda em Estudos Contemporâneos da China pela Escola da Rota da Seda, da Renmin University of China.
Pablo de las Heras é economista da Universidade de Buenos Aires