Uma política monetária progressiva é a única alternativa, por Yanis Varoufakis

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ATENAS –  Ao passo em que a pandemia do coronavírus recua em economias avançadas, seus bancos centrais se assemelham cada vez mais ao burro proverbial, o qual igualmente faminto e sedento, sucumbe tanto à fome quanto à sede por não conseguir decidir entre feno e água. Dividido entre o nervosismo inflacionário e o medo da deflação, gestores políticos estão tomando uma estratégia de espera potencialmente onerosa. Somente uma reformulação progressiva de suas ferramentas e objetivos pode ajudá-los a ter um papel social útil durante a o cenário pós-pandêmico.

Banqueiros centrais já tiveram uma única alavanca política: taxas de juros. Empurrá-la para baixo para revitalizar uma economia em declínio; puxá-la para cima para controlar a inflação (muitas vezes à custa de desencadear uma recessão). Controlar tais movimentos e decidir quanto mover a alavanca nunca foi fácil, mas ao menos havia somente um movimento a ser feito: empurrá-la para cima ou para baixo. Atualmente, o trabalho dos banqueiros centrais é duas vezes mais complicado, pois, desde 2009, tiveram duas alavancas para controlar.

Após a crise financeira de 2008, uma segunda alavanca tornou-se necessária, pois a original acabou emperrada: apesar de ter sido empurrada para baixo ao máximo e ter zerado as taxas de juro, com frequência forçadas dentro de um território negativo, a economia seguiu com a estagnação. Seguindo o exemplo do Banco do Japão, os principais bancos centrais (guiados pela Reserva Federal dos EUA, Fed, e pelo Banco da Inglaterra) criaram uma segunda alavanca, conhecida como quantitative easing (QE), ou flexibilização quantitativa. Empurrá-la para cima criou verbas para a compra de ativos de papel de bancos comerciais, na esperança de que os bancos investissem os novos fundos na economia real. Caso a inflação aparecesse, tudo que precisaria ser feito seria descer a alavanca e afunilar a aquisição de ativos.

Tal era a teoria. Neste momento, com a inflação no ar, os bancos centrais estão nervosos. Eles deveriam aumentar a rigidez das políticas?

Se não o fizerem, os bancos centrais podem esperar a ignomínia ocorrida por seus antecessores dos anos 70, os quais permitiram que a inflação fosse integrada à dinâmica de salários e preços. Porém, se seguirem seus instintos e alterarem suas duas alavancas, afunilando a QE e aumentando taxas de juros moderadamente, eles correm o risco de causar duas crises de uma vez só: uma fogueira de empregos, considerando que aumentar taxas de juros reduz a procura agregada e diminui investimentos, e uma derrocada financeira, dado que os mercados e corporações, prorrogados e dependentes do dinheiro livre de QE, assustam-se pela probabilidade de retirada. A “taper tantrum” de 2013, ocorrida após a mera sugestão da Fed para intervir na QE, seria pequena, em comparação.

Os bancos centrais estão aterrorizados por este cenário, pois suas duas alavancas seriam levadas à inutilidade por ele. Mesmo que as taxas de juro tivessem subido, ainda haveria pouco espaço para reduzi-las. Além disso, quantidades politicamente proibitivas de QE seriam necessárias para revalorizar mercados financeiros submersos. Desse modo, gestores políticos seguem sem tomar atitudes, tal como o infeliz burro que não conseguia decidir qual de suas necessidades era mais importante.

No entanto, ao supor que as duas alavancas devem ser removidas em sequência e conjuntamente, o enigma dos bancos centrais assume um passado que não precisa ser repetido. Historicamente, é certo, a segunda alavanca, QE, foi inventada depois da primeira, taxas de juros, ter parado de funcionar. Mas por que deveríamos assumir que, com a subida na inflação novamente, a sequência deve ser invertida ao eliminar a QE inicialmente e, em seguida, subir as taxas de juros? Por que as duas alavancas não podem ser movidas simultaneamente e na mesma direção, algo que implica em uma política monetária em dois eixos, que aumenta as taxas de juros e a QE (ainda que em um formato diferente)?

De fato, as taxas de juros devem subir. Não esqueçamos que, mesmo em tempos de taxas de juros oficiais nulas, os 50% base da distribuição de renda são inelegíveis para créditos baixos e acabam fazendo empréstimos em valores usurários por meio de empréstimos payday (de curto prazo e com taxas de juro altas), cartões de crédito e empréstimos privados sem garantia. Apenas os ricos se beneficiam de taxas de juros extremamente baixas. Quanto aos governos, enquanto taxas de juros oficiais baixas os permitem renovar suas dívidas a preço reduzido, suas imposições fiscais parecem ser impossíveis de flexibilizar, considerando que o investimento público está constantemente em falta. Por essas duas razões, 13 anos de taxas de juros extremamente baixas contribuíram para uma enorme desigualdade.

Tal desigualdade crescente aumentou o excesso de poupanças, dado que os muito ricos consideram difícil gastar seu estoque colossal. Porque as poupanças crescentes representam o suprimento de dinheiro, enquanto investimentos frágeis representam sua demanda, o resultado é de pressão decrescente no preço do dinheiro, o que mantém as taxas de juros fixadas à seus limites inferiores a zero. Os bancos centrais devem, assim, mostrar coragem para subir as taxas de juros a fim de acabar com este ciclo vicioso de desigualdade insustentável e estagnação desnecessária.

Certamente, os bancos centrais temem que o aumento de taxas de juro possa resultar na falência de governos e causar uma séria recessão. É por isso que o aumento das taxas de juros deve ser respaldado por dois movimentos políticos cruciais.

Primeiro, porque uma séria reestruturação de ambas as dívidas públicas e privadas é inevitável, os bancos centrais deveriam tentar evitá-la. Manter as taxas de juro abaixo de zero de modo a manter a falência de entidades insolventes (como os Estados gregos e italianos e um grande número de empresas zumbis), conforme o Banco Central Europeu e a Fed o fazem atualmente, é uma aposta de tolo. Ao contrário, façamos a reestruturação de dívidas insolúveis e o aumento de taxas de juros para prevenir a criação de ainda mais dívidas insolúveis.

Segundo, ao invés de acabar com a QE, o dinheiro por ela produzido deve ser redirecionado longe de bancos comerciais e de seus clientes corporativos (os quais gastaram a maior parte do dinheiro na recompra de ações). Esse dinheiro deve financiar uma renda mínima e a transição verde (por meio de bancos de investimento público como o Banco Mundial e o Banco de Investimento Europeu). Esta forma de QE não será inflacionária caso a renda básica da classe média-alta acima seja taxada com mais rigidez e o investimento verde comece a produzir energia e bens ecológicos necessários à humanidade.

Os bancos centrais não estão coagidos a escolher entre a paralisia e a contração. Uma política monetária progressiva aumentaria taxas de juros enquanto investe o fruto da árvore de dinheiro em ações climáticas e na redução da desigualdade. Se ajuda a vender tal política, chamemos isso de “rigor monetário sustentável”.

Foto: Ralph Orlowsk

Yanis Varoufakis, ex-ministro de finanças da Grécia, é o líder do partido MeRA25 e  Professor de Economia na Universidade de Atenas. 

Direitos autorais: Project Syndicate, 2021.

www.project-syndicate.org

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