Na presidência de Donald Trump, os Estados Unidos deram uma guinada em sua política externa, alterando o paradigma que prevaleceu após a Segunda Guerra Mundial. Na condição de um dos vencedores do conflito e de grande potência do mundo, os EUA patrocinaram a criação das instituições de Bretton Woods: Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional, o sistema cambial dólar-ouro e o GATT (General Agreement on Tariffs and Trade). Em seu discurso de estréia na Assembleia Geral das Nações Unidas, Trump foi explícito ao dizer que os Estados Unidos não eram mais “globalistas” (corrente de pensamento liberal das relações internacionais) e sim estavam centrados em seu interesse nacional. Os EUA adotam uma postura inédita desde o fim da Segunda Guerra. Abdicam de seu papel de mediador dos conflitos e “estabilizador” das relações internacionais (como no caso da decisão em apoiar o pleito israelense de transferir a capital para Jerusalém com a instalação da embaixada norte-americana na cidade) para agir tendo em vista exclusivamente os seus interesses nacionais e a preservação e expansão de seu poder no mundo. Tal posição é resultado não apenas da ascensão ao poder de uma liderança com esse propósito, mas principalmente, de uma intensa disputa interna no establishment burocrático dos EUA com a vitória da tese defendida pelo Pentágono, em detrimento da posição do Departamento de Estado. Todas as alianças são passíveis de questionamento e alteração para maximizar as vantagens auferidas pelos EUA. E os EUA devem interferir em todos os tabuleiros para garantir a sua supremacia.
É nesse espírito que podem ser compreendidas a saída norte-americana da Parceria Transpacífico, do acordo do clima de Paris e do acordo nuclear com o Irã, a guerra comercial com a China, o protecionismo nos setores de aço e alumínio (que afetou muitos países, inclusive aliados próximos, como os europeus e o Canadá) e a revisão do Nafta, recentemente concluída com a adesão do Canadá ao acordo inicial EUA-México. O bloco comercial foi renomeado para USMCA (United States-Mexico-Canada). Diferentemente do Nafta, que tinha validade por tempo indeterminado, o USMCA tem validade prevista de 16 anos (os EUA queriam cinco, mas México e Canadá não aceitaram) e haverá uma revisão em 6 anos para decidir se haverá prorrogação. O setor mais afetado será o automobilístico, com aumento gradual de 62,5% para 75% do percentual de peças que terá de ser produzido dentro do bloco. Com o valor mínimo de 16 dólares pela hora trabalhada (valor superior ao que se paga no México) para parte da produção, fábricas devem ser transferidas do México para os EUA e Canadá, o que se coaduna com o discurso de Trump de reindustrializar os EUA (que perderam muitas fábricas nas últimas décadas, em virtude da busca por menores custos) beneficiando o trabalhador e a economia do país, em detrimento, no caso, do trabalhador e da economia do México. O acordo também estabeleceu mais garantias para a propriedade intelectual, interesse dos EUA e, numa concessão de Washington, aceitou a demanda canadense pela manutenção do painel de resolução de disputas, com o qual Ottawa tem conseguido superar eventuais bloqueios às suas exportações de madeira para os EUA.
A indústria automobilística dos EUA foi contra a alteração promovida para o setor. O setor argumenta que terá custos maiores e será menos competitivo. Vários setores da economia norte-americana têm se organizado em lobbies para defender o livre-comércio, com argumentação semelhante, de que o protecionismo será prejudicial à economia e ao país como um todo. No entanto a administração federal dos EUA tem colocado o interesse de longo prazo do país à frente de demandas setoriais, mesmo que provoquem perdas eventuais a certos setores. Dado ao tamanho de seu mercado e poder de pressão, México e Canadá atuaram para reduzir danos.
Os Estados Unidos não mais como os defensores da ordem econômica mundial liberal são um dado novo da realidade. Todos serão afetados em maior ou menor grau e terão de pensar suas estratégias de inserção na economia internacional não mais com a “lente” da década de 1990 e sua ”globalização irrefreável”, com promessas de benefícios a todos que se integrassem. Os que se integraram seguindo os desígnios liberalizantes de Washington perderam, caso da América Latina, que ostentou, nos últimos trinta anos, baixas taxas de crescimento. No leste asiático temos exemplos de países que resolveram seguir outro caminho e tiveram mais sucesso, cresceram mais e modernizaram a sua economia e a sua sociedade. E destes, surge a China, como economia que se propõe a superar a norte-americana dentro das próximas décadas. Os EUA, portanto, atuam agressivamente em todas as frentes e abandonam tratados internacionais em nome da preservação da sua posição relativa no mundo. E o USMCA, como destacado, é mais uma peça deste jogo da potência global.
Foto: Isac Nóbrega/ PR
Texto publicado originalmente em 2018
Wagner Sousa é Doutor em Economia Política Internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Editor de América Latina